Somos duros como gesso; escondemos nossos sentimentos, enquanto seríamos tão mais lindos se permitíssemos que o mundo visse nossa fragilidade, assim como permitem as flores. |
Recentemente, comecei uma segunda licenciatura (Pedagogia)
e, com o curso, veio o estágio supervisionado, o qual, no primeiro momento, é
na Educação Infantil (creches e escolas de ensino infantil).
No primeiro dia de estágio, a escola onde decidi cumprir o
estágio obrigatório achou que eu seria útil numa turma de Pré II (crianças com
quatro e cinco anos de idade). E lá fui eu, ajudar a professora no que fosse
preciso.
O que acontece numa sala de Educação Infantil é novidade
para mim, já que numa trabalhei em escolas regulares que oferecessem essa
modalidade de ensino, contudo, a maneira como as crianças dessa idade agem não
era novidade, pois dei aulas de inglês por muitos anos para essa faixa etária.
Com base na minha experiência, eu já imaginava que muitas
crianças da turma iriam “gostar” de mim. Eu me lembro que quando eu era
criança, gostávamos muito das estagiárias, ou das tias (no sentido de parentesco
mesmo) mais jovens, ou das vizinhas adolescentes. Nos quase dez anos em que dei
aulas em escolas de idiomas, eu também notava a mesma coisa. Havia horários do
dia em que a escola tinha turmas de crianças e, muitas vezes, naquele horário eu
dava aula para adolescentes ou adultos, mas quando passava pelas crianças, mesmo
elas não me conhecendo, conversavam comigo, faziam perguntas... demonstravam
uma certa atração pela minha pessoa e para mim, parecia que por algum motivo me
achavam legal e queriam ter aula comigo. Não sei se essa atração dos pequenos
continua quando nós, professoras (no feminino mesmo) ficamos fisicamente mais
velhas e não sei se essa minha constatação já tem alguma base científica, mas
para mim, é fato que crianças gostam de mulheres jovens.
Voltando ao primeiro dia de estágio, logo que entrei na
sala, algumas crianças já se aproximaram de mim e começamos os primeiros
contatos. “Qual é o seu nome? O que você está fazendo aqui? Você vai ficar com
a gente?”...
Entretanto, o que mais me chamou a atenção e é o fato
motivador deste texto foi a atitude de uma menina que demonstrou ter gostado
muito de mim. Ela me mostrava seus desenhos, queria se sentar ao meu lado no
momento da roda, quando as crianças sentam em círculo no chão, queria que eu
brincasse com ela no parquinho, segurava a minha mão para caminhar e passava a
mão no meu cabelo. Todas essas atitudes dela em relação a mim não eram
exclusivas dela: outras meninas, e também alguns meninos, fizeram as mesmas
coisas, mas não com tanta frequência. Até aí, tudo isso era previsível para
mim.
No momento da merenda, é combinado com os alunos dessa
escola que eles devem permanecer sentados, mesmo que não queiram comer. Depois
de comer, essa menina, sentada perto de mim, queria que eu brincasse com ela de
Adoleta. Outras crianças viram e também queriam brincar conosco, na verdade,
comigo (risos). Obviamente, dei um jeito de incluir as outras crianças
adaptando a brincadeira para roda, assim, nos toques de mão, as crianças teriam
que tocar em que estava a sua direita e a sua esquerda.
Notei que a menina em questão não gostou muito do fato de que
eu dividi a atenção que era exclusiva para ela com outras crianças.
No decorrer do estágio, fui notando que ela sempre queria
sentar ao meu lado e eu, claro, sempre dava um jeito de me sentar próximo a
diferentes crianças, já para que nenhuma crie um vínculo muito forte comigo,
porque ficarei por ali por pouco tempo, e também porque quero efetivamente
ajudar a professora da turma, principalmente no que diz respeito à disciplina.
Assim, me sentar próximo a alguns alunos mais indisciplinados é o que devo
fazer. No momento chamado “diversificado”, no qual as crianças passam por
diferentes atividades na mesma sala, eu procuro dividir a minha atenção com
todos os grupos e interajo com todas as crianças, mas a tal menina sempre quer
que eu esteja com ela e ela não quer interagir com as outras crianças ou com as
atividades propostas. Ela quer interagir comigo, exclusivamente!
Observando como ela exclui as outras meninas no momento da
merenda, quando essas outras meninas nos veem brincando de Adoleta e se
aproximam de mim pedindo para que eu brinque com elas ou como ela fica triste e
se isola quando eu não me sento perto dela, comecei a refletir sobre como nós,
adultos, somos diferentes das crianças no que diz respeito a demonstrar afeto!
Essa menina demonstra claramente seu afeto por mim. Ela me
abraça, me chama para brincar, passa a mão no meu cabelo e quando está sentada
perto de mim, dá um jeitinho de estabelecer algum contato físico, como se
apoiar no meu braço. Nós, adultos, muitas vezes até queremos dar aquele abraço
quando vemos alguém de quem gostamos, mas o máximo que fazemos é dar um sorriso
e um “Oi”, sem estabelecer contato físico.
Quando outra criança quer estar comigo, ela descaradamente
(esse é um termo bem adulto, típico de nós, que depois de crescidos, achamos
quase que uma falta de pudor quando alguém que não tem um relacionamento
amoroso claramente demonstra ciúmes) diz a outra criança “Sai” ou “Sou eu que
estou brincando com ela (a Luciana)”. Nós adultos, nunca deixamos que percebam que
estamos tentando excluir qualquer outra pessoa que queria “roubar” a atenção
daqueles que nos são queridos. Aliás, digo mais: nós não lutamos para não
perder a atenção daqueles que nos são queridos. Se algum amigo está conversando
conosco e, de repente, outra pessoa começa a conversar com ele, nós,
simplesmente pensamos “Deixa para lá” e ficamos assistindo, com aperto no
coração, nosso amigo “se divertindo” com outra pessoa. E nada fazemos para
reconquistar a atenção do outro.
No dia do brinquedo, quando as crianças tinham que levar
brinquedos para a escola e brincar com os mesmos e dividi-los com os colegas,
essa menina não queria brincar com seu brinquedo e nem com o dos outros. Ela
queria brincar comigo. Como eu deliberadamente não brinquei com ela e repeti várias
vezes que o momento era para ela brincar com seu brinquedo e com os colegas e “larguei-a”
de lado e fui me relacionar com as outras crianças, ela ficou isolada e quieta
num canto e, no momento da roda, ela nem queria se juntar a turma. Ou seja, ela
se emburrou claramente porque eu não “quis” passar um tempo com ela. Nós,
adultos, não nos “emburramos” claramente quando nos sentimos como que deixados
de lado (só nos emburramos deliberadamente no caso de relacionamentos amorosos,
o que não tem nada a ver com o que estou tratando neste texto. Aqui, a reflexão
é sobre amizade).
A partir de toda essa minha observação eu penso: como nós,
adultos, nos controlamos, cerceamos nossos sentimentos, para que o outro, de
quem gostamos (e aqui eu explico as aspas que usei no verbo “gostar” no início
do texto. Neste texto, estou usando gostar
no sentido literal da palavra. Não quero tratar de nossas atitudes com relação
àqueles que amamos por natureza – familiares, namorado, marido etc – estou falando
de amigos, colegas de trabalho, professores, conhecidos da igreja, vizinhos etc,
cuja presença simplesmente nos agrada. Simplesmente porque não queremos nada
além com essas pessoas, simplesmente queremos elas do jeito que são, porque é o
que nos encanta.) não perceba que ficamos incomodados quando ele não nos dá a
atenção que queremos!
Como as crianças demonstram seu carinho, nos abraçando,
dizendo abertamente “Você sabe que eu te amo?” (a menina em questão e muitas
outras crianças da turma já me disseram isso várias vezes), enquanto nós,
adultos, com receio de parecermos ridículos ou por sermos socialmente
engessados por sabermos que o outro pode entender uma demonstração de afeto como
algo no sentido de interesse sexual, deixamos de dizer um “Poxa! Como é bom
conversar com você. Como você fala de assuntos que me interessam” ou ainda “Como
você é coerente e inspirador nos comentários que você faz”, ou “Como eu gosto
do seu estilo de roupas” ou “Como me encanta seu jeito de falar”. Resumindo, às
vezes a nossa vontade, ou pelos a minha, é de dizer “Você é um baita de um ser
humano. Graças a Deus que você existe e como é bom que você exista exatamente do
jeito que você é e como eu sou grato por poder conviver com você”. Mas quem disse
que a gente tem coragem de dizer uma coisa dessas?
Além da nossa incapacidade de permitirmos que o outro saiba
o quanto ele é maravilhoso para nós, ainda temos essa mania de mascarar nossa
tristeza, ou nosso incômodo, ou até revolta, quando as pessoas de quem gostamos
negligenciam a nossa amizade ou mesmo a nossa existência (risos).
Eu, particularmente, fico de imediato triste e, depois, com certo
nível de raiva, quando pessoas de quem eu gosto/admiro, não respondem o meu “Bom
dia/Boa tarde/Boa noite” quando chego à algum lugar onde a pessoa está
juntamente com outros. Também me entristeço quando essas pessoas simplesmente
passam por mim sem dizer nada. Mas, quem disse que somos humanos o suficiente
para chegar até a pessoa e puxar papo? Preferimos deixar a oportunidade de
estarmos com o outro pelo simples fato de sermos adultos e acharmos que é idiotice
buscar nos relacionarmos com o outro.
Tendo dito tudo, retomo o título deste texto: em que momento
deixamos de demonstrar afeto? Em que idade desenvolvemos essa noção ridícula de
que não podemos ficar abraçando e demonstrando afeto para com as pessoas que
não são nossos parentes ou cônjuge? Em que momento passamos a acreditar que é praticamente
uma imoralidade querer estar junto de quem gostamos o tempo todo? Em que
momento da vida nos apropriamos desse senso comum de que demonstrar estar
chateado ou ficar emburrado porque alguém simplesmente não nos deu a atenção
que gostaríamos é ridículo? Certamente deve haver alguma explicação na área da psicologia
ou sociologia sobre a idade exata em que a demonstração dos nossos sentimos
passa a ser controlada e não espontânea como nas crianças.
Ridículo é o fato de que vivemos um dia após o outro,
caminhando em direção à morte e vendo aqueles que nos são queridos caminhar em
direção a ela também, e deixamos passar a oportunidade de fazermos com que eles
saibam em vida o quando nos são queridos e quão maravilhosos são.
Luciana Estarepravo da Silva
Possui licenciatura plena em Letras (Português/Inglês), é especialista em Docência da Língua Inglesa e estudante de Pedagogia