sexta-feira, 7 de abril de 2017

Em que momento deixamos de demonstrar afeto?

Somos duros como gesso; escondemos nossos sentimentos, enquanto
seríamos tão mais lindos se  permitíssemos que o mundo visse nossa
fragilidade, assim como permitem as flores.
Recentemente, comecei uma segunda licenciatura (Pedagogia) e, com o curso, veio o estágio supervisionado, o qual, no primeiro momento, é na Educação Infantil (creches e escolas de ensino infantil).
No primeiro dia de estágio, a escola onde decidi cumprir o estágio obrigatório achou que eu seria útil numa turma de Pré II (crianças com quatro e cinco anos de idade). E lá fui eu, ajudar a professora no que fosse preciso.
O que acontece numa sala de Educação Infantil é novidade para mim, já que numa trabalhei em escolas regulares que oferecessem essa modalidade de ensino, contudo, a maneira como as crianças dessa idade agem não era novidade, pois dei aulas de inglês por muitos anos para essa faixa etária.
Com base na minha experiência, eu já imaginava que muitas crianças da turma iriam “gostar” de mim. Eu me lembro que quando eu era criança, gostávamos muito das estagiárias, ou das tias (no sentido de parentesco mesmo) mais jovens, ou das vizinhas adolescentes. Nos quase dez anos em que dei aulas em escolas de idiomas, eu também notava a mesma coisa. Havia horários do dia em que a escola tinha turmas de crianças e, muitas vezes, naquele horário eu dava aula para adolescentes ou adultos, mas quando passava pelas crianças, mesmo elas não me conhecendo, conversavam comigo, faziam perguntas... demonstravam uma certa atração pela minha pessoa e para mim, parecia que por algum motivo me achavam legal e queriam ter aula comigo. Não sei se essa atração dos pequenos continua quando nós, professoras (no feminino mesmo) ficamos fisicamente mais velhas e não sei se essa minha constatação já tem alguma base científica, mas para mim, é fato que crianças gostam de mulheres jovens.
Voltando ao primeiro dia de estágio, logo que entrei na sala, algumas crianças já se aproximaram de mim e começamos os primeiros contatos. “Qual é o seu nome? O que você está fazendo aqui? Você vai ficar com a gente?”...
Entretanto, o que mais me chamou a atenção e é o fato motivador deste texto foi a atitude de uma menina que demonstrou ter gostado muito de mim. Ela me mostrava seus desenhos, queria se sentar ao meu lado no momento da roda, quando as crianças sentam em círculo no chão, queria que eu brincasse com ela no parquinho, segurava a minha mão para caminhar e passava a mão no meu cabelo. Todas essas atitudes dela em relação a mim não eram exclusivas dela: outras meninas, e também alguns meninos, fizeram as mesmas coisas, mas não com tanta frequência. Até aí, tudo isso era previsível para mim.
No momento da merenda, é combinado com os alunos dessa escola que eles devem permanecer sentados, mesmo que não queiram comer. Depois de comer, essa menina, sentada perto de mim, queria que eu brincasse com ela de Adoleta. Outras crianças viram e também queriam brincar conosco, na verdade, comigo (risos). Obviamente, dei um jeito de incluir as outras crianças adaptando a brincadeira para roda, assim, nos toques de mão, as crianças teriam que tocar em que estava a sua direita e a sua esquerda.
Notei que a menina em questão não gostou muito do fato de que eu dividi a atenção que era exclusiva para ela com outras crianças.
No decorrer do estágio, fui notando que ela sempre queria sentar ao meu lado e eu, claro, sempre dava um jeito de me sentar próximo a diferentes crianças, já para que nenhuma crie um vínculo muito forte comigo, porque ficarei por ali por pouco tempo, e também porque quero efetivamente ajudar a professora da turma, principalmente no que diz respeito à disciplina. Assim, me sentar próximo a alguns alunos mais indisciplinados é o que devo fazer. No momento chamado “diversificado”, no qual as crianças passam por diferentes atividades na mesma sala, eu procuro dividir a minha atenção com todos os grupos e interajo com todas as crianças, mas a tal menina sempre quer que eu esteja com ela e ela não quer interagir com as outras crianças ou com as atividades propostas. Ela quer interagir comigo, exclusivamente!
Observando como ela exclui as outras meninas no momento da merenda, quando essas outras meninas nos veem brincando de Adoleta e se aproximam de mim pedindo para que eu brinque com elas ou como ela fica triste e se isola quando eu não me sento perto dela, comecei a refletir sobre como nós, adultos, somos diferentes das crianças no que diz respeito a demonstrar afeto!
Essa menina demonstra claramente seu afeto por mim. Ela me abraça, me chama para brincar, passa a mão no meu cabelo e quando está sentada perto de mim, dá um jeitinho de estabelecer algum contato físico, como se apoiar no meu braço. Nós, adultos, muitas vezes até queremos dar aquele abraço quando vemos alguém de quem gostamos, mas o máximo que fazemos é dar um sorriso e um “Oi”, sem estabelecer contato físico.
Quando outra criança quer estar comigo, ela descaradamente (esse é um termo bem adulto, típico de nós, que depois de crescidos, achamos quase que uma falta de pudor quando alguém que não tem um relacionamento amoroso claramente demonstra ciúmes) diz a outra criança “Sai” ou “Sou eu que estou brincando com ela (a Luciana)”. Nós adultos, nunca deixamos que percebam que estamos tentando excluir qualquer outra pessoa que queria “roubar” a atenção daqueles que nos são queridos. Aliás, digo mais: nós não lutamos para não perder a atenção daqueles que nos são queridos. Se algum amigo está conversando conosco e, de repente, outra pessoa começa a conversar com ele, nós, simplesmente pensamos “Deixa para lá” e ficamos assistindo, com aperto no coração, nosso amigo “se divertindo” com outra pessoa. E nada fazemos para reconquistar a atenção do outro.
No dia do brinquedo, quando as crianças tinham que levar brinquedos para a escola e brincar com os mesmos e dividi-los com os colegas, essa menina não queria brincar com seu brinquedo e nem com o dos outros. Ela queria brincar comigo. Como eu deliberadamente não brinquei com ela e repeti várias vezes que o momento era para ela brincar com seu brinquedo e com os colegas e “larguei-a” de lado e fui me relacionar com as outras crianças, ela ficou isolada e quieta num canto e, no momento da roda, ela nem queria se juntar a turma. Ou seja, ela se emburrou claramente porque eu não “quis” passar um tempo com ela. Nós, adultos, não nos “emburramos” claramente quando nos sentimos como que deixados de lado (só nos emburramos deliberadamente no caso de relacionamentos amorosos, o que não tem nada a ver com o que estou tratando neste texto. Aqui, a reflexão é sobre amizade).
A partir de toda essa minha observação eu penso: como nós, adultos, nos controlamos, cerceamos nossos sentimentos, para que o outro, de quem gostamos (e aqui eu explico as aspas que usei no verbo “gostar” no início do texto. Neste texto, estou usando gostar no sentido literal da palavra. Não quero tratar de nossas atitudes com relação àqueles que amamos por natureza – familiares, namorado, marido etc – estou falando de amigos, colegas de trabalho, professores, conhecidos da igreja, vizinhos etc, cuja presença simplesmente nos agrada. Simplesmente porque não queremos nada além com essas pessoas, simplesmente queremos elas do jeito que são, porque é o que nos encanta.) não perceba que ficamos incomodados quando ele não nos dá a atenção que queremos!
Como as crianças demonstram seu carinho, nos abraçando, dizendo abertamente “Você sabe que eu te amo?” (a menina em questão e muitas outras crianças da turma já me disseram isso várias vezes), enquanto nós, adultos, com receio de parecermos ridículos ou por sermos socialmente engessados por sabermos que o outro pode entender uma demonstração de afeto como algo no sentido de interesse sexual, deixamos de dizer um “Poxa! Como é bom conversar com você. Como você fala de assuntos que me interessam” ou ainda “Como você é coerente e inspirador nos comentários que você faz”, ou “Como eu gosto do seu estilo de roupas” ou “Como me encanta seu jeito de falar”. Resumindo, às vezes a nossa vontade, ou pelos a minha, é de dizer “Você é um baita de um ser humano. Graças a Deus que você existe e como é bom que você exista exatamente do jeito que você é e como eu sou grato por poder conviver com você”. Mas quem disse que a gente tem coragem de dizer uma coisa dessas?
Além da nossa incapacidade de permitirmos que o outro saiba o quanto ele é maravilhoso para nós, ainda temos essa mania de mascarar nossa tristeza, ou nosso incômodo, ou até revolta, quando as pessoas de quem gostamos negligenciam a nossa amizade ou mesmo a nossa existência (risos).
Eu, particularmente, fico de imediato triste e, depois, com certo nível de raiva, quando pessoas de quem eu gosto/admiro, não respondem o meu “Bom dia/Boa tarde/Boa noite” quando chego à algum lugar onde a pessoa está juntamente com outros. Também me entristeço quando essas pessoas simplesmente passam por mim sem dizer nada. Mas, quem disse que somos humanos o suficiente para chegar até a pessoa e puxar papo? Preferimos deixar a oportunidade de estarmos com o outro pelo simples fato de sermos adultos e acharmos que é idiotice buscar nos relacionarmos com o outro.
Tendo dito tudo, retomo o título deste texto: em que momento deixamos de demonstrar afeto? Em que idade desenvolvemos essa noção ridícula de que não podemos ficar abraçando e demonstrando afeto para com as pessoas que não são nossos parentes ou cônjuge? Em que momento passamos a acreditar que é praticamente uma imoralidade querer estar junto de quem gostamos o tempo todo? Em que momento da vida nos apropriamos desse senso comum de que demonstrar estar chateado ou ficar emburrado porque alguém simplesmente não nos deu a atenção que gostaríamos é ridículo? Certamente deve haver alguma explicação na área da psicologia ou sociologia sobre a idade exata em que a demonstração dos nossos sentimos passa a ser controlada e não espontânea como nas crianças.

Ridículo é o fato de que vivemos um dia após o outro, caminhando em direção à morte e vendo aqueles que nos são queridos caminhar em direção a ela também, e deixamos passar a oportunidade de fazermos com que eles saibam em vida o quando nos são queridos e quão maravilhosos são.

Luciana Estarepravo da Silva

Possui licenciatura plena em Letras (Português/Inglês), é especialista em Docência da Língua Inglesa e estudante de Pedagogia