terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Consumismo infantil




Ao ouvirmos a palavra consumismo logo nos vem uma ideia negativa, pensamos em uma atitude excessiva, algo como um vício. Todavia, ao vermos essa palavra acompanhada do adjetivo infantil percebemos que se trata de algo pior ainda.

Segundo o dicionário Michaelis online, consumismo é a “Situação própria de países altamente industrializados, caracterizada pela produção e consumo ilimitados de bens duráveis, sobretudo artigos supérfluos.” (cf. http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=consumismo)

Infantil é tudo aquilo que está relacionado à criança, lembrando que de acordo com o segundo artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente é considerada criança a pessoa até os doze anos de idade incompletos. (cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm)

Bem, o § 23 do sétimo artigo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determina que as pessoas podem começar a trabalhar, na condição de aprendiz, aos quatorze anos de idade (cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm). Sendo assim, podemos afirmar que as crianças não trabalham e, consequentemente, não possuem renda própria.

O dinheiro que as crianças manipulam provém de outras pessoas, provavelmente daqueles que são responsáveis por elas.

Já que consumo implica renda, entende-se que o consumismo infantil está, acima de tudo, relacionado aos responsáveis pelas crianças.

O consumismo, como a própria definição do dicionário citado nos esclarece, leva as pessoas adquirirem bens supérfluos.

A criança já começa a adquirir o hábito de comprar o supérfluo no ventre materno. A criança ainda nem nasceu, sequer entende a função das coisas que existem no mundo e já possui uma infinidade de coisas que os responsáveis adquirem para decorar o quarto. Isso não significa que é ruim decorar o quarto de um bebê; isso não é ruim quando os responsáveis têm dinheiro de sobra. Contudo, se é uma família que ainda não possui certos bens mais essenciais, como casa própria e automóvel, decorar o quarto para o bebê cai no que chamamos de consumismo.

Além da decoração do quarto, há o estímulo ao consumismo proveniente do chá de bebê. Mulheres que não possuem nenhuma responsabilidade em relação à criação do bebê que está por vir se veem intimadas a contribuir para o bem-estar dele.

Aí vêm os presentes, papel de presente, caderno de mensagens, decoração da parede do salão ou da casa com bichinhos e com o nome da criança em EVA (que não é reciclável), lembrancinhas para as convidadas, toalhas descartáveis para a mesa... Veja quanto lixo, no sentido literal da palavra, é produzido em função de uma criança que nem entende do que se trata tudo isso. Para que serve uma lembrancinha de chá de bebê ou de visita ao recém-nascido? Para que serve isso? O que você vai fazer com uma lembrancinha de chá de bebê ou nascimento na sua casa? Colocar na estante da sala? Será um enfeite? De enfeite em enfeite as casas das pessoas se tornam depósitos de lixo (lembrando que lixo é aquilo que não serve para nada).

Obviamente, isso não significa que não seja bom fazer chá de bebê. Os responsáveis pela criança irão obter muitas coisas úteis com presentes, mas, considerando que as pessoas que vão ao chá de bebê são as mesmas que visitam o recém-nascido em sua casa, verifica-se que essas pessoas poderiam levar seus presentes na visita ao recém-nascido. Dessa forma, os responsáveis pelo bebê não gastariam o que se desperdiça para promover um chá de bebê. Todavia, reitero que para quem tem dinheiro sobrando, não é uma má ideia.

Quando nasce o bebê, os responsáveis têm a brilhante ideia de fazer uma festa de um ano de idade. Sabe o que esse bebê vai se lembrar dessa festa? Nada! Aí está mais um exemplo de dinheiro que poderia ser poupado para quando essa criança estiver na adolescência e tiver seus gostos próprios e voz própria para dizer como quer que sua festa de quinze ou dezoito anos seja.

Geralmente, quem faz a festa de um ano de idade num buffet infantil se sente na obrigação de repetir o feito todos os anos. Se os responsáveis pelo bebê gastam R$ 2.400,00 na festa de um ano de idade e repetem esse gasto anualmente, até os onze anos de idade da criança em questão, eles terão gasto R$ 26.400,00. Esse dinheiro poderia ser empregado na quitação do financiamento da moradia, na compra de um carro 0 km, ou poderia ser depositado numa poupança (o que renderia juros) e, posteriormente, poderia pagar boa parte de um curso superior para essa criança.

Novamente digo que para quem tem dinheiro sobrando, fazer a festa de uma criança que nem sabe dizer a palavra festa não é problema.

Pessoalmente, me sinto em uma saia justa quando sou convidada para festas de aniversário de crianças, porque geralmente a criança já teve festa no ano anterior e possui pais e avós que costumam dar presentes em três datas do ano: aniversário, Dia das Crianças e Natal. Desse jeito, como diz minha mãe, fica difícil dar alguma coisa de presente, pois a criança já possui tudo. Além do mais, quando você frequenta a casa da criança e vê os tipos de brinquedo que ela já tem (com recursos eletrônicos ou muito grandes), fica-se com vergonha de presentear o que quer que seja, pois essas coisas que a criança já tem em casa custaram, sem dúvida, mais de R$ 100,00 e eu não gostaria de gastar mais que esse valor em algo que será para uma pessoa que nem é tão próxima a mim, que ainda não entende o que é amizade (e por isso não relacionará o presente ao sentimento envolvido no ato de presentear) e que, acima de tudo, vai usar aquilo por pouco tempo, visto que as crianças crescem rapidamente e logo largam os brinquedos.

Ainda há a questão de que muitos responsáveis por crianças acham que como responsáveis têm a função social de levar o filho para cada festa de aniversário do colega com uma roupa nova.

Bem, como se pode ver, fazer uma festa para uma criança que ainda vai aprender o que é uma festa é um gasto supérfluo, mas, se você não tem nada mais importante com que gastar seu dinheiro (pagar um convênio médico, se mudar para uma casa maior, cuidar dos dentes, contratar uma empregada doméstica para organizar aquele monte de roupa que seu filho possui), vá em frente.

Não satisfeitos com todos esses gastos, os responsáveis começam a cuidar precocemente da aparência física das crianças. Meninas de seis anos de idade já vão à manicure semanalmente e meninas de nove anos de idade, além de usar esmalte, vão à escola maquiadas! Não tenho vergonha de dizer que até a presente data nunca fiz as unhas na manicure. Isso não é ser pão duro ou pobre, isso é ser inteligente. Para que pagar para alguém fazer algo que eu mesma posso fazer? Só se seu fosse consumista!

Os meninos já aos oito anos de idade fazem penteados com gel!

Para que macular a beleza natural de uma criança, escondendo o que ela herdou de seus pais sob a maquiagem, o gel e o esmalte? Pessoalmente, acho feio ver uma criança usando maquiagem ou gel. Não combina com a idade, fica realmente feio, artificial.

Deixe esses gastos com beleza para quando essa criança estiver na adolescência e, naturalmente, passará a prestar mais atenção ao seu corpo e terá vontade de usar maquiagem para esconder certas características ou para realçar outras. Não antecipe esses gastos. Deixe a criança ser feliz, sem se preocupar com essas coisas.

Saindo do contexto de festas e maquiagem, nos deparamos com o incentivo ao consumismo no ambiente escolar.

Os responsáveis por crianças parecem achar que usar uma mochila, estojo, apontador, régua e tesoura por dois anos seguidos é um crime. A cada ano, compram tudo isso novamente! Usar o que sobrou dos lápis de cor então... nem pensar! Vão achar que a criança é pobre. Usar as folhas que sobraram naquele caderno do ano passado para o curso de inglês, informática ou para a catequese também é um insulto!

Além disso, levam a criança às compras e ela escolhe de que personagem serão seus objetos escolares, enquanto os materiais escolares neutros, ou seja, aqueles que não fazem alusão a nenhum personagem específico e, por isso, não têm o valor referente aos direitos autorais embutidos no produto, custam bem menos.

É claro que é saudável dar à criança um ou outro objeto que a fará ficar contente, como um estojo de seu personagem favorito, mas isso deve acontecer se ela merecer; não deve ser uma rotina. Adultos não têm tudo do jeito que querem, mesmo quando merecem.

Comer os alimentos oferecidos pela escola também parece denunciar que a criança está fora dos padrões sociais. Os responsáveis acham que devem dar dinheiro para a criança comprar um lanche na cantina da escola todos os dias. Se o ano letivo tem 200 dias e os responsáveis dão R$ 1,00 por dia para a criança gastar com alimentação, em um ano R$ 200,0 terá sido gasto com bobeiras (que é o que a cantina geralmente oferece), enquanto a criança poderia ter se alimentado de forma balanceada de graça, comendo o que a escola oferece no refeitório.

É bom dar dinheiro às crianças uma vez ou outra para elas aprenderem como comprar, como calcular o preço, como decidir o que é mais vantajoso, mas isso não deve ser rotina. Se a criança ganha o dinheiro de graça todos os dias, ela vai achar que isso vale para toda a vida.

Esses são apenas alguns exemplos de gastos de poderiam ser adiados ou mesmo evitados.

O problema não reside em fazer esses mimos às crianças, mas no fato de que o dinheiro poderia se melhor aproveitado e a criança poderia aprender, desde cedo, o quanto vale cada centavo.



Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)






4 comentários:

  1. Adorei o post temos opiniões bem parecidas, o maior problema é que de maneira geral os brasileiros não se interessam por educação financeira. Consumir parece ser uma maneira de se encaixar, ser aceito.Quando se tem planos, objetivos torna-se mais fácil trabalhar em prol de conquistá-los. Tudo que nos cerca nos estimula a consumir, a maioria das pessoas simplesmente respondem a esse estímulo sem pensar. Se realmente pararmos para pensar muitas práticas seriam abolidas por não serem necessárias. Esse é um desafio gastar o dinheiro custosamente adquirido de uma maneira racional.

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    1. Aí está a Andréia, mais uma vez nos prestigiando com seus comentários!
      Você mencionou algo interessante: educação financeira. Já ouvi falar de algumas escolas que possuem a disciplina Educação do Consumidor. Eu não tive essa disciplina na escola, mas seria bastante produtivo para os alunos abordarem esse tema durante a Educação Básica, nem que fosse em algumas aulas de matemática, juntamente com o assunto "juros".
      Mais uma vez, obrigada pela participação com o comentário.

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  2. Texto maravilhoso! E problema é este pensamento: quero que o meu filho tenha tudo o que eu não tive.
    Quem foi que disse que as crianças nascem querendo receber coisas materiais que os pais não tiveram? Elas nascem precisando de amor, atenção, respeito, educação e muitas brincadeiras que não precisam de um centavo para marcar a alegria da infância.
    Mesmo com o dinheiro sobrando, valores são valores. Depois os pais não podem reclamar quando perceberem que os filhos estão pensam assim: Estudar para quê? Trabalhar para quê? Por que me esforçar? Por que devo ajudar a minha mãe e o meu pai? Por quê?

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    1. Concordo plenamente; valores estão acima de tudo. Propiciar aos filhos condições de vida melhores que as que os pais tiveram é positivo, mas é importante refletir bem sobre quais são as características dessas "condições melhores".
      Obrigada pela participação.

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