O primeiro livro que terminei de ler neste ano, 2014, foi A arte de ensinar, de Jay Parini.
Um
colega de trabalho me emprestou em 2013 e logo comecei a lê-lo. A obra é
escrita em primeira pessoa e nela Jay Parini conta sua trajetória como
professor.
A maior parte do livro é dedicada a descrever o
ambiente acadêmico, onde o autor passou a maior parte de sua vida. Ele
também retrata as reuniões de professores e alunos universitários nos
escritórios ou casas dos professores, reuniões essas nas quais se
discutem os textos de autoria dos alunos e como esses textos podem ser
melhorados. Além disso, Jay também conta como foi sua experiência como
professor em escolas da educação básica e aborda, de forma até que
cômica, a relação entre o vestuário e a personalidade dos professores.
Ao
descrever as características de bons professores de literatura, a qual é
a área de Jay, me recordo de minhas aulas de literatura na faculdade de
Letras. O professor de literatura, ao menos o universitário, precisa
saber trabalhar as nuanças em sua voz e a sequencia de seu raciocínio
expositivo para que possa, de fato, tocar seus alunos no que diz
respeito ao texto de que está falando.
Todavia, melhor ainda é o
professor que consegue abordar um texto ou a obra de um autor como um
todo desenvolvendo uma aula na qual seus alunos têm a chance de
participar, construindo o conhecimento por meio da constante
reformulação de ideias provenientes do diálogo entre professor e turma.
Ao
longo do livro, o autor menciona muitos autores da literatura inglesa,
os quais, sinceramente, não conheço, mas para quem gosta de ler e
pesquisar sobre os nomes que aparecem no livro, imagino que essa obra é
um prato cheio.
É claro que o autor deixa transparecer um certo,
eu diria, amor próprio, ao falar de si e de sua experiência. Na
linguagem popular brasileira atual, seria possível dizer que ele “se
acha”.
No entanto, como também professora, eu diria que ele alcançou, em
seus mais de trinta anos de professor, aquilo que nós, professores que
de fato refletimos sobre nossa prática pedagógica, um bom nível de
autoconhecimento. Com o tempo, o professor que realmente busca analisar
sua performance no intuito de melhorá-la é capaz de fazer de si mesmo
uma imagem como alguém que o observa exteriormente, ou seja, ele é capaz
de fazer de si uma imagem que retrata como os outros o vêm. Além disso,
com esse exercício constante de reformulação do seu eu, o professor
também consegue entender o que passa em seu interior, de que situações
provêm suas alegrias, tristezas, preocupações...
O professor que
ler esse livro, vai, sem dúvida, se identificar com algumas angústias do
autor. Abaixo, algumas citações que me chamaram a atenção, seja por sua
verdade universal, seja por serem verdadeiras no que tocam aos meus
ex-professores ou colegas de trabalho, seja por serem absurdas no
contexto brasileiro:
O que eu desejava era a liberdade de
escrever o que quer que desejasse escrever, e quando desejasse escrever.
Comecei a me ressentir do tempo que gastava me preparando para dar
aulas e fazia tudo o que podia para que essa preparação consumisse menos
tempo. (p. 61)
Pois é! Todos os bons professores, aqueles que
realmente preparam suas aulas, tentam descobrir a fórmula mágica para
gastar menos tempo preparando aulas. Na verdade, ela já existe: métodos
engessados com manual do professor anexo ao livro.
“Uma aula é uma performance”. (p. 68)
Professores,
naturalmente, se preparam para um show, lembrando que um show não é
necessariamente aquilo que traduz o seu verdadeiro eu, mas sim, aquele
eu que vai agradar a sua audiência.
“Os alunos adoram quando
um professor parece autoconfiante, engraçado, de espírito aberto, ágil.
Não gostam de um professor que olha fixa e ansiosamente na direção deles
buscando confirmação”. (p. 70)
“Não existe atalho para
alguém se tornar um bom professor, se bem que provavelmente ajude ter
bons modelos e saber como imitá-los, mantendo, ao mesmo tempo, o sentido
da própria integridade e respeitando sua condição de indivíduo único
como professor”. (p. 70)
O problema reside naqueles que não são professores e ensinam de forma superficialmente atraente, mas numa análise mais profunda de quem tem o mínimo de conhecimento sobre metodologia de ensino, percebe-se a falta de coerência entre atividade desenvolvida e objetivo. Como se não bastasse esse desperdício de tempo em sala de aula, há aluno ou outro envolvido no processo educacional, que desprovido de conhecimento sobre didática, acaba julgando o trabalho do professor sem conhecimento técnico melhor, em detrimento de técnicas não tão artísticas, mas eficientes em termos educacionais utilizadas por professores especializados.
“Professores,
assim como escritores, também precisam inventar e cultivar uma voz, uma
que sirva às suas necessidades pessoais tanto quanto à matéria com que
está lidando, uma que pareça autêntica”. (p. 80)
E dá-lhe voz!
Para cada turma, dia da semana, assunto há uma voz diferente. Sem contar
que a voz muda dependendo dos alunos que estão presentes no dia.
Deve-se
acabar com a noção tola de que uma máscara não é "autêntica", de que há
algo vergonhoso em "não ser você mesmo". Autenticidade é, em última
instância, uma construção, algo inventado – tem muito a ver com um
determinado conjunto de roupas que parecerá autêntico, ou não, conforme o
contexto. (p.81)
Para cada turma, uma máscara diferente. E isso se aplica à fora da sala de aula.
“Muito depois de termos esquecido o que nossos professores nos ensinavam na faculdade, lembramos de suas roupas”. (p. 91)
“O
que meus professores vestiam parecia sugerir muito sobre a maneira de
abordarem sua matérias, aflições ideológicas e modo de ver o mundo”. (p.93)
No
meu caso, uso calças que não mostrem tanto os contornos do meu traseiro
(afinal, quero que meus alunos aprendam a falar inglês... esse deve ser o foco!) e camisetas
que não mostrem minha barriga quando estou escrevendo no quadro, ou
seja, a escolha da minha roupa é puramente profissional.
“Até certo ponto, a área de conhecimento acadêmico do professor determina seu estilo de roupas.” (p.101)
Professores
de línguas, especialmente aqueles com conexões europeias, parecem pensar
que estão passeando nas ruas de Paris ou Roma, embora morem num estado
onde o número de vacas ultrapassa a população humana. Com frequência
usam tecidos caros, com corte europeu. As mulheres que ensinam línguas
estão sempre extremamente bem vestidas, com muitas estolas de seda e
casacos finamente talhados. Algumas usam vestido. (p.102)
Engraçado
como as professoras de inglês jovens são todas cheias de estilo no que
toca à roupa; pintam o cabelo, se preocupam com a cor do esmalte...
Pessoalmente, creio que querem conquistar os alunos mais pelo o tempo que empregam
se arrumando e postando a foto do look no Facebook do que pelo tempo que empregam preparando uma aula (o qual é sempre permeado pelo Skype, WhastApp e afins on).
“Nós
imaginamos, tolamente, que grandes quantidades de tempo são necessárias
para realizar um projeto, para reativar as máquinas do pensamento.
(...) A maioria dos bons trabalhos são feitos em curto espaço de tempo”. (p. 115)
Só o que não é bem
feito em um curto espaço de tempo são aquelas coisas pessoais que os
professores gostariam de fazer, mas não conseguem devido ao tempo
empregado fora da sala de aula para desempenhar atividades relacionadas à
sala de aula.
“Já peguei a mesma ideia e tentei dar-lhe a
forma de um poema, depois de um conto, depois de um ensaio. Pode-se,
certamente, adaptar uma ideia de uma forma para outra; porém, realmente
acredito na forma ideal para cada ideia, e me empenho para encontrá-la”. (p. 118)
Aí reside o conceito de gênero textual, querido leitor.
“Falamos, porém é Deus quem ensina”. Santo Agostinho (p. 152)
“Remanescentes
excêntricos do marxismo tendem a se concentrar em departamentos de
língua e literatura, onde o jargão é tão espesso que ninguém consegue
mesmo entender o que estão dizendo, algo que os torna inofensivos”. (p. 172)
“Na realidade, a última safra de formandos parece apolítica, amplamente preocupada com sua própria sobrevivência econômica”. (p. 177)
De fato, não consigo entender como pessoas com
nível superior, que tiveram contato com as maneiras mais seguras de
acesso a informação nas aulas de metodologia científica, pessoas que se
formaram por conseguir redigir um trabalho de conclusão de curso (pelo menos, espera-se que elas tenham redigido o próprio trabalho...) não se interessam por
política e não produzem comentários acerca desse assunto. Seria muito bom se as pessoas
usassem as redes sociais para, além do compartilhamento dos posts
alheios, escreverem o que pensam sobre o que quer que seja. Muita
gente apenas se preocupa em ganhar mais (o que é justo),
mas não usa o cérebro para muita coisa (além de achar ruim quando
encontra alguém que não tem vergonha de escrever, seja lá o que for).
Enfim, essa é a minha visão geral sobre o livro. Para formar sua própria opinião acerca dele, é imprescindível que você mesmo o leia.
Luciana Estarepravo da Silva
Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em
Letras (Português/Inglês)