quinta-feira, 27 de março de 2014

Retrato de um Brasil pré-Copa 2014



           Ninguém sabe qual será a impressão que os turistas estrangeiros que virão ao Brasil para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2014 levarão para seus países de origem e tampouco se sabe qual será a impressão que os próprios brasileiros terão do país.

            No entanto, o pensamento que permeia a nação antes dos jogos é fato e dele já se pode falar.


            Já em 2003, era de conhecimento público que o Brasil havia se candidatado para sediar o campeonato. Naquela época, a nação encarava a tentativa brasileira como um fato ousado: “Nossa! Imagine só o Brasil sediando uma Copa!”, afinal, tal feito requer bastante infraestrutura.

            Outros já viam no Brasil uma tentativa de se igualar às grandes potências mundiais, que possuem estrutura de primeiro mundo e, por isso, são mais capazes de sediar grandes eventos.

            Outros ainda diziam “Se a África pode, nós também podemos”, pensamento esse reflexo daquele estereótipo de que toda a África passar fome e sede.

            Em 2007, quando foi anunciado que o Brasil sediaria a Copa, o povo brasileiro passou a “se sentir”, como se diz atualmente no português brasileiro popular. O povo passou, num primeiro momento, a se igualar as nações do primeiro mundo, passou a se sentir capaz de tratar os estrangeiros com aquele mesmo ar que é tratado quando está no exterior.

            Num segundo momento, os brasileiros começaram a enxergar os ganhos que sediar um mundial poderia trazer à economia do país, e consequentemente, à economia individual

            Todavia, todo esse vislumbre da possibilidade de crescimento não foi um impulso suficiente para que a iniciativa privada e o poder público começassem a se mexer em busca do sucesso.

            Somente em 2012, se passou a ouvir falar em iniciativas em função da Copa.

O atraso nas obras de infraestrutura começou a ganhar destaque.

             As prefeituras começaram a se preocupar em melhorar alguns aspectos nas cidades no intuito de chamar a atenção das seleções, já que elas tinham que escolher a cidade em que irão se hospedar.

            Escolas de idiomas ou setores públicos responsáveis pela promoção social e educação começaram a promover cursos rápidos de idiomas voltados para os profissionais da área do turismo, o que, até o momento, não parece ter feito muito sucesso.

            Em 2013, com a pressão da FIFA para que as obras sejam concluídas a tempo do mundial e quantidade de dinheiro sendo investida, a população praticamente parou e destruiu o país durante ondas de protestos que, no primeiro plano, contestavam o aumento nas passagens de ônibus. Muitos acreditavam que aquele momento pelo qual passava o país (prédios públicos tomados, importantes rodovias federais e estaduais bloqueadas, adesão de classes trabalhadoras de destaque) seria o começo de um novo Brasil.

            2014 começou e até agora a população não obteve ganhos diretos com o mundial.

Os locais cuja infraestrutura foi ou está sendo melhorada para a Copa não são aqueles que a população frequenta, ou seja, as escolas, hospitais, delegacias... esses serviços essenciais continuam do mesmo jeito.

            Os pacotes turísticos para destinos dentro do país estão bem acima do preço que se praticava antes. Logo, mesmo que algum brasileiro queira aproveitar a Copa para viajar dentro de seu país, esse ano não está parecendo um bom momento.

            O estado de São Paulo sofre com uma forte seca e já está criando atrito com outros estados para conseguir água de outros sistemas de abastecimento.

            As pessoas mais espertas já estão vislumbrando a falta d’água durante a Copa no estado, visto que a densidade demográfica aumentará e, consequentemente, o consumo também.

            As escolas estão preocupadas com o calendário, porque em geral não há aulas durante os jogos da seleção brasileira, o que atrasa os conteúdos.

Os alunos de universidades públicas estão começando a se arrepender de ter lutado tanto para passar no vestibular dessas universidades, pois já estão sofrendo com um calendário que tenta compensar a falta de aulas em 2013 devido à greve dos professores e agora se vê num futuro incerto em relação à Copa.

Empresários já veem a diminuição no faturamento nos dias de jogos, do Brasil principalmente, visto que o povo não vai sair de casa para comprar certos bens nesses dias. Além disso, nas cidades-sede onde já foi decretado feriado no dia de certos jogos, os empresários estão entre a cruz e a espada: ou pagam para o funcionário ficar em casa ou pagam o adicional de feriado para ele trabalhar no dia do jogo.

            Os funcionários de empresas que já decidiram que irão funcionar, aconteça o que acontecer, já estão com medo de sair na rua ou utilizar o transporte público para se locomover, tendo em vista a possibilidade de um retorno das manifestações de 2013. Até o local de trabalho causa receio, dada a vulnerabilidade tanto de órgãos públicos quanto empresas e comércios à depredação.

            Por fim, no geral, três opiniões distintas pairam sobre o país:

  • Uns não dão a mínima para a Copa, sem olhar o passado, o presente ou o futuro;

  •  Outros torcem para

a) a seleção brasileira perder;

b) os aeroportos, trens e ônibus entrarem em colapso;

c) o atendimento aos turistas ser péssimo;

d) o caos das manifestações de 2013 se instaurar novamente;

e) todas as alternativas anteriores e o que mais existir dar errado.

 Essas pessoas acreditam que isso tudo levará o governo a alguma medida que realmente beneficie a população.

  •  Uma última parcela da população torce para que tudo dê certo e a seleção brasileira ganhe, para que todo o dinheiro investido e o trabalho realizado não tenham sido em vão e para que a nação brasileira ao menos não seja vista com olhos piores que os que a viam antes da Copa.

          E você? Compartilha de alguma dessas correntes de opinião?

           Se você tem interesse em saber o que os brasileiros pensavam enquanto a Copa 2014 estava acontecendo, leia o texto Retrato de uma Copa no Brasil, escrito em 03/07/2014, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/07/retrado-de-uma-copa-no-brasil.html#links.



Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)

domingo, 23 de março de 2014

Reflexões e Práticas Pedagógicas no Ensino de Língua Estrangeira





Este é o último texto dos quatro sobre o terceiro volume de Entornos e Contornos, da Editora CNA.

O quarto eixo temático do livro é Reflexões e Práticas Pedagógicas no Ensino de Língua Estrangeira, o qual, dentre todos os eixos temáticos do livro, é o mais útil para a leitura daqueles que se dedicam ao ensino de línguas estrangeiras.

O tema foi abordado em sete artigos: O ensino comunicativo e o foco na forma, de Flávio Amorim da Rocha; Reflexões sobre a compreensão oral em Língua Estrangeira, de Eliane Tiyoko Nishimori Sato; Leitura em sala de aula de Língua Estrangeira: uma reflexão teórico-prática, de Ivandra Catarina Walker; Material autentico: el “mundo real” dentro del aula, de Nora Inés Di Pacce; Descripción y efectos de sentido em el uso de algunos pronombres dativos em español, de Enrique Luis Melone; Jogos como instrumento pedagógico no ensino de inglês, de Cristiane Koga e Giovana Silva Zanzini; e O discurso atual de alunos de inglês – Uma leitura que extrapola a sala de aula, de Renata Pucci.

O ensino comunicativo e o foco na forma trata de um assunto que há muitos anos, quando a abordagem comunicativa do ensino de línguas estrangeiras surgiu, começou a tomar conta dos espaços para reflexões quanto ao ensino de línguas: ensinar ou não gramática de forma explícita?

Segundo o artigo, alguns pesquisadores que suportam a abordagem comunicativa acreditam que ensinar gramática de forma explícita quebraria o fluxo em sala de aula que acreditam ser comunicativo. Outros pesquisadores ressaltam que sem conhecimento teórico acerca da gramática da língua, os alunos se distanciam da correção gramatical nos enunciados que produzem.

Flavio Amorim da Rocha traz para dentro dessa discussão que há tanto tempo vem incomodando os professores, principalmente os que utilizam a abordagem comunicativa, a seguinte citação de Fotos e Ellis (1999): “O conhecimento implícito se refere ao conhecimento intuitivo e processual. Não está, conscientemente, disponível aos aprendizes. Os falantes nativos, por exemplo, não conseguem, normalmente, descrever as regras que usam para construir suas frases”.

Com isso, o autor deixa uma luz para os professores inquietos acerca do tema: levar os alunos a deduzir o que está implícito nos enunciados abordados, ou seja, utilizar uma abordagem dedutiva no ensino de gramática.

Reflexões sobre a compreensão oral em Língua Estrangeira vai de encontro ao assunto do artigo anterior, visto que lembra que a compreensão oral envolve outros conhecimentos, como sintático, semântico, lexical, discursivo e sonoro.

A autora ressalta a importância da compreensão oral, pois é a partir da interação oral que o ser humano se constitui enquanto pessoa; é por meio da interação social que o ser humano aprende o que já existe e introduz o novo na sociedade; é partir dessa interação que ele se define.

Dessa forma, nota-se a importância do conhecimento de mundo na compreensão oral, contudo há outros recursos que também auxiliam nesse processo, como os recursos visuais.

Os profissionais que estão iniciando sua carreira no ensino de línguas estrangeiras encontrarão nesse artigo, sem dúvida, reflexões importantíssimas para nortear sua prática pedagógica; lembrando que a visão que o professor possui de língua influencia fortemente sua maneira de ensinar.

Ao contrário de toda a importância dedicada à fala no artigo anterior, o terceiro artigo do livro já afirma, em seu início, que a leitura é a habilidade linguística que se faz mais útil no contexto em que vive o aluno brasileiro, visto que ela é requerida nos vestibulares, concursos públicos, meio acadêmico e navegação na internet, dentre outros suportes.

No entanto, a autora também apresenta a relação dialógica que permeia a leitura, afinal, a interação entre os sujeitos não é exclusiva da habilidade da fala.

Na leitura, o autor dialoga com o leitor por meio da carga pessoal que imprime no seu texto e o leitor, por usa vez, emprega seus conhecimentos de mundo, assim como os emprega na compreensão oral, para construir o sentido do texto que lê.

O emprego dos conhecimentos de mundo do leitor no processo de construção de sentido é responsável pelas diferentes interpretações que diferentes leitores podem obter a partir de um mesmo texto ou mesmo as interpretações obtidas não esperadas pelo autor.

Além dessas considerações, a autora faz muitas outras que os professores de língua estrangeira precisam conhecer para desenvolverem atividades de leitura efetivas com suas turmas.

Já o primeiro artigo escrito em espanhol que compõe o quarto eixo temático do livro trata da dificuldade que o professor de línguas tem em escolher materiais autênticos para serem utilizados em sala de aula, dada a grande variedade dos mesmos.

Ao citar as vantagens do uso de materiais autênticos em sala de aula, Nora Inés Di Pacce lembra que isso não se trata de banir o livro de didático do contexto de ensino e aprendizagem de línguas, visto que por ser organizado em unidades temáticas, ele é um importante referencial tanto para professores como alunos. O uso de materiais autênticos, dessa forma, é uma maneira de enriquecer o processo de ensino e aprendizagem.

A autora menciona que os textos dos livros didáticos e a fala do professor são textos com estruturas simples, correção gramatical e focam o uso das estruturas que estão sendo estudadas no momento, ao passo que os textos autênticos enriquecem o contato do aluno com a língua, devido à variedade de situações linguísticas que apresentam.

É sugerido que ao longo da sequencia didática exposta pelo livro, se encontre um espaço para introduzir materiais autênticos, ou mesmo que atividades que estão presentes no livro sejam substituídas por outras com materiais autênticos, afinal, nem tudo que é proposto pelo livro pode ser útil para a realidade da turma em questão.

Entretanto, para que a inserção desses materiais nas aulas dê bons resultados, é importante que se escolha o gênero textual adequado ao que se quer abordar. Além disso, uma verdadeira tarefa comunicativa consiste em levar o aluno a produzir algo.

Por fim, a autora lembra que os gêneros textuais possuem estruturas semelhantes na maioria das línguas, o que pode facilitar a compreensão do aluno, mas, ao mesmo, esse tipo de aula demandará mais tempo de preparação por parte do aluno.

Enrique Luis Melone, em Descripción y efectos de sentido em el uso de algunos pronombres dativos em español, faz uma profunda reflexão teórica sobre um certo tipo de pronome da língua espanhola.

Ela já inicia seu texto mencionando a herança gramatical do latim que o espanhol herdou no que diz respeito ao emprego dos pronomes.

Embora o autor conclua seu texto com uma sequencia didática para a abordagem do tema, esse artigo é mais indicado para aqueles que se interessam pela descrição gramatical do espanhol, ressaltando que esse artigo também mostra as variações de sentido em espanhol devido ao emprego dos pronomes. Dessa forma, fica cada vez mais claro que embora sintaxe e semântica sejam estudos distintos, um depende do outro para sua existência.

Cristiane Koga e Giovana Silva Zanzini, por sua vez, iniciam seu artigo falando das representações mentais que os alunos possuem de uma palavra, as quais são ativadas toda vez que têm contato com essa palavra.

Elas também sustentam as reflexões que irão tecer nos termos de Vygotsky: Desenvolvimento Real (DR), Desenvolvimento Potencial (DP) e Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

Toda pessoa que quer ser professor de línguas em escolas de idiomas tem, necessariamente, que saber o que significam esses termos, visto que eles são a base para as relações na sala de aula em torno da construção do conhecimento.

As autoras também mencionam a hipótese do filtro afetivo, de Krasen. Segundo essa hipótese, se o aluno estiver mais receptivo a aula, o filtro, o qual funciona como uma barreira, diminui e o aluno consegue absorver com mais facilidade o que foi abordado em sala.

A partir dessas considerações, as autoras propõem a introdução de atividades no formato de jogos na sala de aula, pois elas aumentam a interação entre os alunos e os deixam mais a vontade e, consequentemente, mais receptíveis ao conhecimento.

Finalmente, o último artigo do livro aborda o discurso dos alunos e professores de língua estrangeira, mais especificamente, daqueles inseridos no contexto de ensino e aprendizagem de língua inglesa.

Esse artigo é marcado por reflexões provenientes de Bakhtin, por isso, é um deleite para aqueles que se interessam por semiótica.

A autora inicia seu texto afirmando, com base em Bakhtin, que não é possível encontrar a língua fora do contexto social, o que já foi mencionado em outros artigos desse eixo temático, mas de formas diferentes.

É por meio da língua que o sujeito se define em relação ao outro. Contudo, nossos discursos trazem em si traços dos discursos dos outros.

Ela ainda diz que a palavra apenas produz sentido se associada ao concreto, ou seja, ao que ela representa na realidade; do contrário, ela não quer dizer nada.

No que diz respeito aos discursos de outrem, ao citar Bakhtin, a autora acrescenta que eles não apenas permeiam nossos discursos, mas é a eles que respondemos, concordando, discordando ou acrescentando algo.

Por fim, ao analisar o discurso de uma professora e sua turma quanto à  importância de se estudar inglês, a autora ainda ressalta que os signos linguísticos são diferentes em cada língua, devido aos discursos que a permeiam.

Enfim, mais uma vez, recomenda-se a leitura do terceiro volume de Entornos e Contornos não apenas aos professores de língua estrangeira, mas também aos coordenadores pedagógicos desse tipo de professor e aos gestores de escolas que ensinam alguma língua estrangeira.

Se esse artigo lhe chamou a atenção, leia também o texto Novas Tecnologias Educacionais e Educação a Distância, que é o primeiro eixo temático do terceiro volume de Entornos e Contornos, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/novas-tecnologias-educacionais-e.html#links, o texto Desafios para Formação e Atuação do Professor de Língua Estrangeira, que é o segundo eixo temático do mesmo livro, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/desafios-para-formacao-e-atuacao-do.html#links e o texto sobre o terceiro eixo temático do livro, Questões Afetivas e Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/questoes-afetivas-e-cognitivas-dentro-e.html#links.



Referências bibliográficas



CARÁ JÚNIOR, Jaime; Silva, Sérgio Luis Monteiro da. (org.) Entornos e Contornos: desafios contemporâneos em contextos de ensino e aprendizagem. Volume 3. São Paulo, Editora CNA, 2010, p. 203-336.



Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)










quarta-feira, 19 de março de 2014

Questões Afetivas e Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula



            Hoje em dia, as escolas de idioma têm, cada vez mais, esperado dos professores um olhar sobre o aluno do ponto de vista afetivo e cognitivo.

            Todavia, compreender o processo de aprendizagem humana vai além da simples observação. Obviamente que uma mãe que passa bastante tempo com seu filho pode chegar a algumas conclusões sobre o processo de aprendizagem ao observar a interação de seu filho com o mundo. No entanto, um conhecimento profundo sobre como as pessoas aprendem apenas pode ser obtido pelo estudo sistemático sobre o assunto. Isso se pode aprender nos cursos de pedagogia, licenciaturas, psicologia ou extensões na área. Também pode ser obtido pela leitura de livros da área, desde que sejam estudos densos e bem explicados, no caso de pessoas que não são da área de ensino e aprendizagem.

            Já a compreensão do outro no que toca ao campo afetivo apenas pode ser atingida por um relacionamento no qual se construa, de fato, um elo tão forte que os indivíduos envolvidos partilhem uns com os outros todos seus momentos do dia, afinal, uma pessoa pode ter várias alterações de humor ao longo do mesmo dia devido às coisas que acontecem durante essas 24 horas e ela também pode ter uma reação a algo que aconteceu pela manhã horas depois do ocorrido.

Ora, num curso de idiomas em que as pessoas passam, no máximo, duas horas ou duas horas e meia por semana juntas, no qual o objetivo é aprender uma língua e não fazer amigos ou terapia (sinceramente, você pode fazer amigos num curso de idiomas, mas você há de concordar comigo que uma pessoa se matricula numa escola de idiomas no intuito de aprender uma língua) faz com que tarefa de conhecer uma pessoa do ponto de vista afetivo se torne uma tarefa árdua. Além disso, como já foi mencionado acima, a compreensão do ponto de vista afetivo exige uma partilha dos sentidos provenientes de todos os envolvidos no processo. Um professor que realmente queira desenvolver uma atividade profissional não falará muito sobre sua vida pessoal, sentimentos e desejos. O não envolvimento dessas questões num relacionamento é o que torna um ambiente profissional.

            A não ser que você entenda muito de linguagem corporal ou seja dotado de algum dom que lhe permita ler mentes, você não vai conseguir entender plenamente uma pessoa do ponto de vista afetivo em duas horas e meia semanais de aula num semestre ou mesmo ano. Se um psicólogo precisa de várias seções dedicadas inteiramente a um único paciente para entendê-lo, imagine um professor de língua com 12 alunos na sala e desprovido de certos conhecimentos psicológicos!

             Como se pode perceber, o que se espera do professor de línguas está além da realidade e possibilidade a curto prazo.

            Nem todos os professores de línguas passaram por um curso superior voltado para formar profissionais da área de ensino e aprendizagem.  Aqueles que o fizeram nem sempre tiveram uma formação sólida no que tange a psicologia da educação.

            Ainda existe o fato de que muitos professores de idiomas são pessoas com outras profissões que dão aulas para complementar sua renda, não esquecer o idioma ou mesmo porque não estão conseguindo encontrar emprego na sua área. Nem sempre esse tipo de professor, cuja prioridade profissional não é dar aulas de idioma, reservará um tempo para ler algo e aprender mais sobre aspectos cognitivos e afetivos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Se esses profissionais reservarem um tempo para preparar suas aulas, sem dúvida isso já estará de bom tamanho.

            Sendo assim, o melhor a se esperar de um professor é que ele compreenda seus alunos do ponto de vista cognitivo e afetivo com base na observação natural que todas as pessoas fazem automaticamente.

            Dessa forma, a compreensão do que se relaciona ao cognitivo de um aluno pode ser obtida por meio dos sinais de atividade cognitiva que os alunos dão: interação ou não durante as aulas, desempenho nas atividades, reações aos diferentes tipos de estímulos (atividades de conversação, leitura, escrita, auditivas, com recursos audiovisuais ou sem recursos)... etc.

            Já a compreensão do que se relaciona ao campo afetivo do aluno se dá pela interação no dia a dia das aulas de língua, no qual, em função da própria variedade de assuntos abordados num curso de língua, se passa a conhecer mais sobre a turma, o que gostam, o que fazem, o que dominam etc. Uma relação educada também aproxima o professor da compreensão dos aspectos cognitivos que envolvem o aluno, como perguntar como foi o dia do aluno, já que ele parece feliz, cansado, triste e outras atitudes simples, que qualquer um, com estudos específicos ou não, sabe fazer.

            Numa tentativa de refletir sobre isso, o terceiro volume de Entornos e Contornos, da Editora CNA, dedicou parte do livro ao eixo temático Questões Afetivas e Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula.

 Três artigos abordam esse tema: Why do students fail? What can we do about it?, de Ana Lucia de Mello Lemos Carriel; Fatores importantes para o sucesso de uma organização, de Marcelo Daniel Sanches e Conexões criativas: uma discussão sobre hábitos e atitudes ligados ao desenvolvimento da criatividade, de Margarete de Moraes.

A autora do primeiro artigo faz uma observação interessante ao descrever o caso de uma turma. Há um tendência de responsabilizar o professor pelo mal desempenho de alunos que não obtém bons resultados nas aulas, no entanto, esquece-se que outros alunos do mesmo professor, muitas vezes da mesma turma, obtém ótimos resultados. Nesses casos, é possível concluir que não é o professor o responsável pelo mal desempenho do aluno, mas sim, o próprio aluno, numa interpretação rápida e superficial.

Já o autor do segundo artigo inicia seu texto falando da importância da motivação para qualquer atividade que alguém se proponha a fazer, não apenas no contexto de aprendizagem de um novo idioma. Ele explica que motivação significa movimento. Logo, a motivação deve levar o aluno a buscar o aprendizado de um novo idioma de uma forma ativa e não passiva, apenas aguardando conhecimentos  vindos de outrem.

Além disso, ele cita outro autor que afirma que o que dá certo hoje pode não dar amanhã se o indivíduo passar o resto da vida desenvolvendo a mesma atividade. Esse argumento vai de encontro ao anterior, ou seja, é necessário que o aluno saia de sua zona de conforto e faça algo para que possa aprender; é  necessário que ele tome atitude. O processo de ensino e aprendizagem deve ter o aluno como centro, logo, é ele quem deve mostrar movimento e ditar o ritmo do processo.

Marcelo também lembra a importância de dar feedback para que a pessoa saiba se está no caminho certo ou não e ressalta que apenas pode dar feedback aquele que está acompanhando de perto o processo.

Ele ainda tece uma reflexão acerca dos estímulos, pois o que motiva uma pessoa em determinada situação pode não motivá-la em outra e o que motiva uma pessoa numa situação pode não motivar outra na mesma situação. Em outras palavras, não é possível agradar a todos, mas é possível variar os estímulos para que se possa garantir pelo menos a motivação de alguns alunos.

Por fim, o terceiro e último artigo diferencia criatividade de genialidade e explica que a segunda é característica de poucos.

A autora diz que a imaginação e fantasia alimentam a criatividade, mas essa deve se adaptar à realidade, seja essa realidade a dos recursos que uma escola possui, perfil da turma, localização na cidade, horário da aula etc.

Igualmente, a autora afirma que a criatividade deve ser concretizada; não basta ter boas ideias se elas não são colocadas em prática, seja por falta de recursos, tempo ou organização.

Em suma, como se pode perceber, não é muito comum encontrar pesquisadores dispostos a discutir esse tema, embora seu domínio seja exigido aos professores de idioma.

De qualquer forma, fica a dica para quem quer conhecer mais sobre o processo de ensino e aprendizagem de pesquisar sobre princípios da pedagogia e da andragogia e para quem quer conhecer mais sobre questões afetivas, ler um pouco sobre linguagem corporal já é um bom começo.



Se esse artigo lhe chamou a atenção, leia também o texto Novas Tecnologias Educacionais e Educação a Distância, que é o primeiro eixo temático do terceiro volume de Entornos e Contornos, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/novas-tecnologias-educacionais-e.html#links, o texto Desafios para Formação e Atuação do Professor de Língua Estrangeira, que é o segundo eixo temático do mesmo livro, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/desafios-para-formacao-e-atuacao-do.html#links e Reflexões e Práticas Pedagógicas no Ensino de Língua Estrangeira, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_23.html#links, que é texto referente ao quarto eixo temático do livro.



Referências bibliográficas



CARÁ JÚNIOR, Jaime; Silva, Sérgio Luis Monteiro da. (org.) Entornos e Contornos: desafios contemporâneos em contextos de ensino e aprendizagem. Volume 3. São Paulo, Editora CNA, 2010, p. 155-202.


Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)