quarta-feira, 19 de março de 2014

Questões Afetivas e Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula



            Hoje em dia, as escolas de idioma têm, cada vez mais, esperado dos professores um olhar sobre o aluno do ponto de vista afetivo e cognitivo.

            Todavia, compreender o processo de aprendizagem humana vai além da simples observação. Obviamente que uma mãe que passa bastante tempo com seu filho pode chegar a algumas conclusões sobre o processo de aprendizagem ao observar a interação de seu filho com o mundo. No entanto, um conhecimento profundo sobre como as pessoas aprendem apenas pode ser obtido pelo estudo sistemático sobre o assunto. Isso se pode aprender nos cursos de pedagogia, licenciaturas, psicologia ou extensões na área. Também pode ser obtido pela leitura de livros da área, desde que sejam estudos densos e bem explicados, no caso de pessoas que não são da área de ensino e aprendizagem.

            Já a compreensão do outro no que toca ao campo afetivo apenas pode ser atingida por um relacionamento no qual se construa, de fato, um elo tão forte que os indivíduos envolvidos partilhem uns com os outros todos seus momentos do dia, afinal, uma pessoa pode ter várias alterações de humor ao longo do mesmo dia devido às coisas que acontecem durante essas 24 horas e ela também pode ter uma reação a algo que aconteceu pela manhã horas depois do ocorrido.

Ora, num curso de idiomas em que as pessoas passam, no máximo, duas horas ou duas horas e meia por semana juntas, no qual o objetivo é aprender uma língua e não fazer amigos ou terapia (sinceramente, você pode fazer amigos num curso de idiomas, mas você há de concordar comigo que uma pessoa se matricula numa escola de idiomas no intuito de aprender uma língua) faz com que tarefa de conhecer uma pessoa do ponto de vista afetivo se torne uma tarefa árdua. Além disso, como já foi mencionado acima, a compreensão do ponto de vista afetivo exige uma partilha dos sentidos provenientes de todos os envolvidos no processo. Um professor que realmente queira desenvolver uma atividade profissional não falará muito sobre sua vida pessoal, sentimentos e desejos. O não envolvimento dessas questões num relacionamento é o que torna um ambiente profissional.

            A não ser que você entenda muito de linguagem corporal ou seja dotado de algum dom que lhe permita ler mentes, você não vai conseguir entender plenamente uma pessoa do ponto de vista afetivo em duas horas e meia semanais de aula num semestre ou mesmo ano. Se um psicólogo precisa de várias seções dedicadas inteiramente a um único paciente para entendê-lo, imagine um professor de língua com 12 alunos na sala e desprovido de certos conhecimentos psicológicos!

             Como se pode perceber, o que se espera do professor de línguas está além da realidade e possibilidade a curto prazo.

            Nem todos os professores de línguas passaram por um curso superior voltado para formar profissionais da área de ensino e aprendizagem.  Aqueles que o fizeram nem sempre tiveram uma formação sólida no que tange a psicologia da educação.

            Ainda existe o fato de que muitos professores de idiomas são pessoas com outras profissões que dão aulas para complementar sua renda, não esquecer o idioma ou mesmo porque não estão conseguindo encontrar emprego na sua área. Nem sempre esse tipo de professor, cuja prioridade profissional não é dar aulas de idioma, reservará um tempo para ler algo e aprender mais sobre aspectos cognitivos e afetivos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Se esses profissionais reservarem um tempo para preparar suas aulas, sem dúvida isso já estará de bom tamanho.

            Sendo assim, o melhor a se esperar de um professor é que ele compreenda seus alunos do ponto de vista cognitivo e afetivo com base na observação natural que todas as pessoas fazem automaticamente.

            Dessa forma, a compreensão do que se relaciona ao cognitivo de um aluno pode ser obtida por meio dos sinais de atividade cognitiva que os alunos dão: interação ou não durante as aulas, desempenho nas atividades, reações aos diferentes tipos de estímulos (atividades de conversação, leitura, escrita, auditivas, com recursos audiovisuais ou sem recursos)... etc.

            Já a compreensão do que se relaciona ao campo afetivo do aluno se dá pela interação no dia a dia das aulas de língua, no qual, em função da própria variedade de assuntos abordados num curso de língua, se passa a conhecer mais sobre a turma, o que gostam, o que fazem, o que dominam etc. Uma relação educada também aproxima o professor da compreensão dos aspectos cognitivos que envolvem o aluno, como perguntar como foi o dia do aluno, já que ele parece feliz, cansado, triste e outras atitudes simples, que qualquer um, com estudos específicos ou não, sabe fazer.

            Numa tentativa de refletir sobre isso, o terceiro volume de Entornos e Contornos, da Editora CNA, dedicou parte do livro ao eixo temático Questões Afetivas e Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula.

 Três artigos abordam esse tema: Why do students fail? What can we do about it?, de Ana Lucia de Mello Lemos Carriel; Fatores importantes para o sucesso de uma organização, de Marcelo Daniel Sanches e Conexões criativas: uma discussão sobre hábitos e atitudes ligados ao desenvolvimento da criatividade, de Margarete de Moraes.

A autora do primeiro artigo faz uma observação interessante ao descrever o caso de uma turma. Há um tendência de responsabilizar o professor pelo mal desempenho de alunos que não obtém bons resultados nas aulas, no entanto, esquece-se que outros alunos do mesmo professor, muitas vezes da mesma turma, obtém ótimos resultados. Nesses casos, é possível concluir que não é o professor o responsável pelo mal desempenho do aluno, mas sim, o próprio aluno, numa interpretação rápida e superficial.

Já o autor do segundo artigo inicia seu texto falando da importância da motivação para qualquer atividade que alguém se proponha a fazer, não apenas no contexto de aprendizagem de um novo idioma. Ele explica que motivação significa movimento. Logo, a motivação deve levar o aluno a buscar o aprendizado de um novo idioma de uma forma ativa e não passiva, apenas aguardando conhecimentos  vindos de outrem.

Além disso, ele cita outro autor que afirma que o que dá certo hoje pode não dar amanhã se o indivíduo passar o resto da vida desenvolvendo a mesma atividade. Esse argumento vai de encontro ao anterior, ou seja, é necessário que o aluno saia de sua zona de conforto e faça algo para que possa aprender; é  necessário que ele tome atitude. O processo de ensino e aprendizagem deve ter o aluno como centro, logo, é ele quem deve mostrar movimento e ditar o ritmo do processo.

Marcelo também lembra a importância de dar feedback para que a pessoa saiba se está no caminho certo ou não e ressalta que apenas pode dar feedback aquele que está acompanhando de perto o processo.

Ele ainda tece uma reflexão acerca dos estímulos, pois o que motiva uma pessoa em determinada situação pode não motivá-la em outra e o que motiva uma pessoa numa situação pode não motivar outra na mesma situação. Em outras palavras, não é possível agradar a todos, mas é possível variar os estímulos para que se possa garantir pelo menos a motivação de alguns alunos.

Por fim, o terceiro e último artigo diferencia criatividade de genialidade e explica que a segunda é característica de poucos.

A autora diz que a imaginação e fantasia alimentam a criatividade, mas essa deve se adaptar à realidade, seja essa realidade a dos recursos que uma escola possui, perfil da turma, localização na cidade, horário da aula etc.

Igualmente, a autora afirma que a criatividade deve ser concretizada; não basta ter boas ideias se elas não são colocadas em prática, seja por falta de recursos, tempo ou organização.

Em suma, como se pode perceber, não é muito comum encontrar pesquisadores dispostos a discutir esse tema, embora seu domínio seja exigido aos professores de idioma.

De qualquer forma, fica a dica para quem quer conhecer mais sobre o processo de ensino e aprendizagem de pesquisar sobre princípios da pedagogia e da andragogia e para quem quer conhecer mais sobre questões afetivas, ler um pouco sobre linguagem corporal já é um bom começo.



Se esse artigo lhe chamou a atenção, leia também o texto Novas Tecnologias Educacionais e Educação a Distância, que é o primeiro eixo temático do terceiro volume de Entornos e Contornos, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/novas-tecnologias-educacionais-e.html#links, o texto Desafios para Formação e Atuação do Professor de Língua Estrangeira, que é o segundo eixo temático do mesmo livro, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/desafios-para-formacao-e-atuacao-do.html#links e Reflexões e Práticas Pedagógicas no Ensino de Língua Estrangeira, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_23.html#links, que é texto referente ao quarto eixo temático do livro.



Referências bibliográficas



CARÁ JÚNIOR, Jaime; Silva, Sérgio Luis Monteiro da. (org.) Entornos e Contornos: desafios contemporâneos em contextos de ensino e aprendizagem. Volume 3. São Paulo, Editora CNA, 2010, p. 155-202.


Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)





           

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