Hoje
em dia, as escolas de idioma têm, cada vez mais, esperado dos professores um
olhar sobre o aluno do ponto de vista afetivo e cognitivo.
Todavia,
compreender o processo de aprendizagem humana vai além da simples observação.
Obviamente que uma mãe que passa bastante tempo com seu filho pode chegar a
algumas conclusões sobre o processo de aprendizagem ao observar a interação de
seu filho com o mundo. No entanto, um conhecimento profundo sobre como as
pessoas aprendem apenas pode ser obtido pelo estudo sistemático sobre o
assunto. Isso se pode aprender nos cursos de pedagogia, licenciaturas,
psicologia ou extensões na área. Também pode ser obtido pela leitura de livros
da área, desde que sejam estudos densos e bem explicados, no caso de pessoas
que não são da área de ensino e aprendizagem.
Já
a compreensão do outro no que toca ao campo afetivo apenas pode ser atingida
por um relacionamento no qual se construa, de fato, um elo tão forte que os
indivíduos envolvidos partilhem uns com os outros todos seus momentos do dia,
afinal, uma pessoa pode ter várias alterações de humor ao longo do mesmo dia
devido às coisas que acontecem durante essas 24 horas e ela também pode ter uma
reação a algo que aconteceu pela manhã horas depois do ocorrido.
Ora, num curso de
idiomas em que as pessoas passam, no máximo, duas horas ou duas horas e meia
por semana juntas, no qual o objetivo é aprender uma língua e não fazer amigos
ou terapia (sinceramente, você pode fazer amigos num curso de idiomas, mas você
há de concordar comigo que uma pessoa se matricula numa escola de idiomas no intuito
de aprender uma língua) faz com que tarefa de conhecer uma pessoa do ponto de
vista afetivo se torne uma tarefa árdua. Além disso, como já foi mencionado
acima, a compreensão do ponto de vista afetivo exige uma partilha dos sentidos provenientes
de todos os envolvidos no processo. Um professor que realmente queira
desenvolver uma atividade profissional não falará muito sobre sua vida pessoal,
sentimentos e desejos. O não envolvimento dessas questões num relacionamento é o
que torna um ambiente profissional.
A
não ser que você entenda muito de linguagem corporal ou seja dotado de algum
dom que lhe permita ler mentes, você não vai conseguir entender plenamente uma
pessoa do ponto de vista afetivo em duas horas e meia semanais de aula num
semestre ou mesmo ano. Se um psicólogo precisa de várias seções dedicadas
inteiramente a um único paciente para entendê-lo, imagine um professor de
língua com 12 alunos na sala e desprovido de certos conhecimentos psicológicos!
Como se pode perceber, o que se espera do
professor de línguas está além da realidade e possibilidade a curto prazo.
Nem
todos os professores de línguas passaram por um curso superior voltado para
formar profissionais da área de ensino e aprendizagem. Aqueles que o fizeram nem sempre tiveram uma
formação sólida no que tange a psicologia da educação.
Ainda
existe o fato de que muitos professores de idiomas são pessoas com outras profissões
que dão aulas para complementar sua renda, não esquecer o idioma ou mesmo
porque não estão conseguindo encontrar emprego na sua área. Nem sempre esse
tipo de professor, cuja prioridade profissional não é dar aulas de idioma,
reservará um tempo para ler algo e aprender mais sobre aspectos cognitivos e
afetivos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Se esses
profissionais reservarem um tempo para preparar suas aulas, sem dúvida isso já
estará de bom tamanho.
Sendo
assim, o melhor a se esperar de um professor é que ele compreenda seus alunos
do ponto de vista cognitivo e afetivo com base na observação natural que todas
as pessoas fazem automaticamente.
Dessa
forma, a compreensão do que se relaciona ao cognitivo de um aluno pode ser
obtida por meio dos sinais de atividade cognitiva que os alunos dão: interação
ou não durante as aulas, desempenho nas atividades, reações aos diferentes
tipos de estímulos (atividades de conversação, leitura, escrita, auditivas, com
recursos audiovisuais ou sem recursos)... etc.
Já
a compreensão do que se relaciona ao campo afetivo do aluno se dá pela
interação no dia a dia das aulas de língua, no qual, em função da própria
variedade de assuntos abordados num curso de língua, se passa a conhecer mais
sobre a turma, o que gostam, o que fazem, o que dominam etc. Uma relação
educada também aproxima o professor da compreensão dos aspectos cognitivos que
envolvem o aluno, como perguntar como foi o dia do aluno, já que ele parece
feliz, cansado, triste e outras atitudes simples, que qualquer um, com estudos
específicos ou não, sabe fazer.
Numa
tentativa de refletir sobre isso, o terceiro volume de Entornos e Contornos, da Editora CNA, dedicou parte do livro ao
eixo temático Questões Afetivas e
Cognitivas Dentro e Além da Sala de Aula.
Três artigos abordam esse tema: Why do students fail? What can we do about
it?, de Ana Lucia de Mello Lemos Carriel; Fatores importantes para o sucesso de uma organização, de Marcelo
Daniel Sanches e Conexões criativas: uma
discussão sobre hábitos e atitudes ligados ao desenvolvimento da criatividade,
de Margarete de Moraes.
A autora do primeiro
artigo faz uma observação interessante ao descrever o caso de uma turma. Há um
tendência de responsabilizar o professor pelo mal desempenho de alunos que não
obtém bons resultados nas aulas, no entanto, esquece-se que outros alunos do
mesmo professor, muitas vezes da mesma turma, obtém ótimos resultados. Nesses
casos, é possível concluir que não é o professor o responsável pelo mal desempenho
do aluno, mas sim, o próprio aluno, numa interpretação rápida e superficial.
Já o autor do segundo
artigo inicia seu texto falando da importância da motivação para qualquer atividade
que alguém se proponha a fazer, não apenas no contexto de aprendizagem de um
novo idioma. Ele explica que motivação significa movimento. Logo, a motivação
deve levar o aluno a buscar o aprendizado de um novo idioma de uma forma ativa
e não passiva, apenas aguardando conhecimentos
vindos de outrem.
Além disso, ele cita
outro autor que afirma que o que dá certo hoje pode não dar amanhã se o indivíduo
passar o resto da vida desenvolvendo a mesma atividade. Esse argumento vai de
encontro ao anterior, ou seja, é necessário que o aluno saia de sua zona de
conforto e faça algo para que possa aprender; é
necessário que ele tome atitude. O processo de ensino e aprendizagem
deve ter o aluno como centro, logo, é ele quem deve mostrar movimento e ditar o
ritmo do processo.
Marcelo também lembra
a importância de dar feedback para
que a pessoa saiba se está no caminho certo ou não e ressalta que apenas pode
dar feedback aquele que está
acompanhando de perto o processo.
Ele ainda tece uma
reflexão acerca dos estímulos, pois o que motiva uma pessoa em determinada
situação pode não motivá-la em outra e o que motiva uma pessoa numa situação
pode não motivar outra na mesma situação. Em outras palavras, não é possível
agradar a todos, mas é possível variar os estímulos para que se possa garantir
pelo menos a motivação de alguns alunos.
Por fim, o terceiro e
último artigo diferencia criatividade de genialidade e explica que a segunda é
característica de poucos.
A autora diz que a imaginação
e fantasia alimentam a criatividade, mas essa deve se adaptar à realidade, seja
essa realidade a dos recursos que uma escola possui, perfil da turma,
localização na cidade, horário da aula etc.
Igualmente, a autora
afirma que a criatividade deve ser concretizada; não basta ter boas ideias se
elas não são colocadas em prática, seja por falta de recursos, tempo ou
organização.
Em suma, como se pode
perceber, não é muito comum encontrar pesquisadores dispostos a discutir esse
tema, embora seu domínio seja exigido aos professores de idioma.
De qualquer forma,
fica a dica para quem quer conhecer mais sobre o processo de ensino e
aprendizagem de pesquisar sobre princípios da pedagogia e da andragogia e para
quem quer conhecer mais sobre questões afetivas, ler um pouco sobre linguagem
corporal já é um bom começo.
Se esse artigo lhe chamou a atenção, leia
também o texto Novas Tecnologias
Educacionais e Educação a Distância, que é o primeiro eixo temático do
terceiro volume de Entornos e Contornos,
disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/novas-tecnologias-educacionais-e.html#links, o texto Desafios para Formação e
Atuação do Professor de Língua Estrangeira, que é o segundo eixo temático
do mesmo livro, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/desafios-para-formacao-e-atuacao-do.html#links e Reflexões e Práticas Pedagógicas no Ensino de Língua
Estrangeira, disponível em http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/03/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x_23.html#links, que é texto referente ao quarto eixo temático do livro.
Referências bibliográficas
CARÁ JÚNIOR, Jaime;
Silva, Sérgio Luis Monteiro da. (org.) Entornos
e Contornos: desafios contemporâneos em contextos de ensino e aprendizagem.
Volume 3. São Paulo, Editora CNA, 2010, p. 155-202.
Luciana Estarepravo da Silva
Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em
Letras (Português/Inglês)
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