terça-feira, 29 de abril de 2014

Questionando pensamentos famosos



Desde pequena, sempre gostei de pensamentos famosos, sejam eles provenientes de quem for: filósofos, escritores, líderes religiosos, compositores, cientistas, ativistas políticos...

Quando eu tinha uns dez ou onze anos de idade, vi a caderneta da foto no supermercado e achei bonita e meus pais deixaram que eu a levasse para casa. Mal sabiam eles que aí começaria a minha paixão por olhar minuciosamente todos os produtos feitos de papel pela Grafon’s toda fez que eu fosse ao supermercado! E mal sabia eu que iria gostar tanto dos desenhos da Ruth Morehead!

Comecei a escrever alguns pensamentos com os quais eu me deparava nessa caderneta.

Sempre tive acesso a esses pensamentos em casa, ou pela contracapa do Mensageiro do Sagrado Coração, revista geralmente assinada por quem faz parte do movimento católico Apostolado da Oração, ou pelas notas diárias da Folhinha de Nossa Senhora Aparecida, publicação da Editora Santuário que é completíssima: traz as leituras da liturgia católica para cada dia, um trecho de alguma leitura do dia, datas comemorativas (há dias de coisas que a gente nem imagina), informações sobre as estações, ciclos da lua, tipo de plantação apropriada para o mês e, no verso de cada dia, há piadas, trovas, explicações sobre os animais na vida da igreja, receitas, curiosidades, textos sobre datas comemorativas... há de tudo um pouco. Cheguei a fazer trabalhos de escola com base nesses textos do verso da folhinha.

No entanto, embora esses pensamentos bem elaborados nos chamem a atenção e, num primeiro olhar, nos pareça uma verdade absoluta, é preciso questioná-los, afinal, sem questionamento, não há filosofia, não conhecimento.

Pois então, vamos aos questionamentos!

João XXIII foi canonizado um dia antes de eu escrever esse texto.
  • “Só se pode juntar as mãos quando essas estão vazias”. (Provérbio tibetano)

A mensagem é: as pessoas apenas podem estar unidas se “abrirem mão” daquilo que possuem. No entanto, abrir mão de tudo que se tem tendo em vista aproximar-se de alguém é uma ideia bem radical. As mãos podem se unir, mesmo que segurem algo; apenas não estarão completamente unidas, ou seja, tocando completamente uma a outra.

  • “A quem se nega a entender a história, só basta sofrê-la como destino”. (José Guilherme Merquior)

Dizia um dos meus professores durante o curso de Letras que as pessoas simples, que moram no interior e tiveram pouco ou nenhum acesso ao conhecimento sistematizado são as mais felizes, pois por não saberem do que nós sabemos, sequer podem ter as preocupações que temos. Dessa forma, quem não compreende a história não irá necessariamente “sofrê-la”, pode apenas vivê-la sem compreender o porquê da mesma e sem mesmo necessitar compreendê-lo.

  • “Moça que não sabe dançar diz que a orquestra não sabe tocar”. (Provérbio iídiche)

Antes de comentar o provérbio, preciso comentar a origem. Quando criança, gostava muito dele, mas me perguntava “de onde são os iídiches?”, resposta essa que nem eu nem meus pais tínhamos. Ao escrever esse texto, aproveitei a internet que hoje tenho ao alcance (acredite, quando eu comecei a escrever na tal caderneta eu não tinha internet em casa; pouca gente tinha) e descobri que é iídiche é uma língua utilizada pelos judeus.

Há uma variação desse provérbio, proveniente de alguma outra língua, que diz que “moça que não sabe dançar, culpa a aspereza do assoalho”.

No caso da variação e do iídiche, a ideia é dizer que “moça” é a que não sabe dançar, mas que não o admite, preferindo culpar outrem. Contudo, em muitas situações da vida, fica bem difícil, se não impossível, fazer algo corretamente porque outros não conseguem fazer a sua parte direito. Vá a uma missa ou culto em que a música é conhecida da comunidade, mas o grupo de canto desafina... Impossível acompanhar corretamente!

  • “O poeta é um ser capaz de despertar o bem que dorme no fundo do coração humano”. (Rubem Alves)

Não só o bem, mas seu oposto também. Exemplo: assista o filme O corvo ou leia um dos meus textos disponíveis em: http://aestarepravoopina.blogspot.com.br/2014/02/comentarios-sobre-o-livro-vou-lhe.html#links

  • “Nunca desanimemos, muito embora nos pareça não alcançar o que desejamos”. (Santo Agostinho)

Não querendo diminuir o grande Santo Agostinho, mestre da Igreja Católica, dos cursos de Filosofia e Letras, mas quando não estamos conseguindo alcançar algo, depois bastante esforço, cabe refletir e pesar qual é importância de se adquirir isso que tanto se busca. Não é prudente passar a vida tentando alcançar um determinada coisas e se esquecer das outras possibilidades.

  • “Quando todos pensam da mesma maneira, é porque nenhum pensa grande coisa”. (Walter Lippmann)

Isso até vale para alguns contextos, embora em outros as pessoas pensam da mesma forma porque a verdade é clara aos olhos e pensar de forma diferente seria negar-se a acreditar na verdade.

  • “Faça primeiro o que mais difícil lhe parecesse”. (Ralph. W. Emerson)

A validade do conselho vai depender do contexto em que o ouvinte se encontra. Se o objetivo é fazer mais em menos tempo, começar com o mais fácil permitirá fazer mais coisas antes de se começar a quebrar a cabeça para encontrar uma maneira de fazer o difícil.
Há muitos outros pensamentos que podemos analisar por outros pontos de vista. Você conhece algum outro? Compartilhe conosco nos comentários. 


Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Otimizando a abordagem de músicas didáticas nas aulas de língua estrangeira para crianças



Quem é professor de inglês, ou de qualquer outro idioma, em escolas que adotam materiais didáticos prontos já deve ter presenciado essa cena. Eis que entra na sala dos professores o pobre coitado do professor das crianças - aquele mártir para quem os professores dos níveis avançados, ou mesmo dos níveis básicos, mas para adultos e adolescentes, sempre olham cheios de compaixão – e diz “Hoje eu tenho que dar aquela musiquinha chata do livro”.

Bem, se eu estiver nessa sala, vou ficar quietinha, mas, sem dúvida, vou pensar “É a música que é chata ou é você que não sabe como trabalhar com ela?”.

Você pode dar uma Ferrari para alguém, mas se essa pessoa não tiver habilitação, o carro não servirá para nada; você pode dar um computador equipado com ótima memória, programas úteis para vários fins e conexão à internet, mas se essa pessoa não souber usar um computador (estou escrevendo esse texto em 2014 e, sim, ainda há pessoas que não sabem usar um computador), de nada ele lhe servirá.

O mesmo acontece com materiais didáticos. Você pode dar o melhor material disponível no mercado na mão do incompetente; ele não vai saber usá-lo.

É obvio que eu compreendo que nem todas as músicas que acompanham o material didático destinado às crianças são adequadas à realidade da turma. Há muitas diferenças culturais e mesmo cognitivas entre as pessoas em geral, não somente entre as crianças, e principalmente no Brasil, um país com proporções continentais.

Todavia, considerando que os matérias didáticos são desenvolvidos por pessoas, em geral, muito mais esclarecidas academicamente do que o professor que vai utilizá-lo e também considerando que a equipe do editorial é multidisciplinar, não seria ingenuidade afirmar que a música foi desenvolvida na melhor das intenções e quem não está entendo o objetivo da atividade é o professor. Quanto às diferenças culturais e cognitivas, estamos falando de um contexto escolar, certo? Bem, então o sujeito está lá para minimizar essas diferenças.

Sendo assim, aqui vão algumas dicas para os professores que querem aperfeiçoar o uso dessas músicas.

Primeiramente, é crucial entender a razão pela qual a música foi inclusa naquela lição, naquela parte da sequência didática e com aquele vocabulário.

Essa informação pode ser obtida de várias formas. Alguns materiais didáticos trazem informações acerca da visão de língua e ensino dos desenvolvedores do material na introdução do livro do professor. Espera-se que o professor leia a introdução do livro assim que o recebe, contudo, isso nem sempre acontece. Não deixe para entender o objetivo do curso que você vai ministrar ao final do período, quando já tiver abordado o material por completo. Reserve um tempinho para ler a introdução antes de preparar a primeira aula.

No caso de franquias de métodos famosos, é possível que a questão do uso das músicas seja abordada no treinamento. Mesmo assim, é bom o professor analisar as músicas por conta própria, afinal, nem sempre os treinamentos abordam essa questão a fundo.

O próprio professor pode entender o que se espera da música se observar o livro como um todo atentamente.

Se a música está no início da lição, é possível que ela seja uma introdução ao tópico a ser abordado.

Se ela está no final da lição, é possível que ela seja uma forma real de utilizar o conteúdo abordado ao longo daquela unidade, ou mesmo uma forma de celebrar o término der um período de estudos com as crianças, como se fosse um prêmio para elas.

Essas possibilidades se referem a músicas que apresentam vocabulário relacionado à lição. Quando isso não acontece, a história é outra.

Muitos professores podem achar o conteúdo da música totalmente desconexo da lição e também podem julgar o ritmo como lento e desestimulante. O que eles não sabem é que aquela música pode ser folclórica, o que seria uma tentativa dos desenvolvedores do material didático de apresentar um pouco da cultura dos povos falantes da língua alvo do curso.

Há também aquelas músicas que abordam parte do vocabulário da lição em curso e também já começam a introduzir o vocabulário da próxima lição. Essas músicas são uma ótima oportunidade para pré-ensinar o vocabulário ou mesmo as estruturas que serão abordadas mais profundamente adiante.

Compreendidas as razões para a disposição da música, é chegada a hora de encontrar uma forma de aplicar a atividade de forma didática. É aí que o bicho pega!

A prática mais comum é ver os professores dizendo para as crianças “Agora nós vamos aprender uma música”. Logo, o professor coloca o CD, deixa a música tocar e fica olhando para a cara das crianças, as quais, por sua vez, ficam olhando para a cara do professor. Ao final desse suplício, é claro que as crianças detestaram a música e o professor, mais uma vez, reforçou a ideia do início desse texto: “musiquinha chata”.

Oras, é preciso fazer algo com essa música, afinal, ela está inclusa numa sequência didática, ou seja, ela é uma atividade. A própria palavra atividade já denota movimento, assim, não se trata simplesmente de tocar a música e esperar que as crianças comecem a pular, balançar os braços e cantar como um fã no show de sua banda favorita, é preciso criar esse movimento.

Vamos então às sugestões de abordagem de músicas.

  • Coreografia – para um professor sem muita criatividade para abordar músicas, a coreografia é a abordagem mais simples, embora o nome lembre movimentos elaborados e sincronizados. Fazer uma coreografia não se trata de elaborar uma sequencia de movimentos digna de apresentação num programa televisivo de competições artísticas. Basta que o professor sistematize movimentos que representem o vocabulário ou atos da fala contidos na letra da música. Para tal, o professor apenas precisam se questionar “Como eu ensinaria essa palavra ou essa função linguística se eu apenas pudesse fazer gestos?”. Por exemplo, se a letra da música cita as palavras “avião”, “casa” e “o que é isto?”, pense como diria isso utilizando mímica.
  • Comandos – as crianças gostam muito de brincar de comandos, como sente-se, levante-se, pule, agache-se, levante os braços etc. O professor pode determinar que a cada vez que os alunos ouvirem determinada palavra, eles deverão fazer determinada coisa. Por exemplo, ao ouvir na música a palavra cachorro, eles terão que se abaixar. O comando não precisa ter relação com a palavra em questão. O objetivo é simplesmente desenvolver uma atividade com a música. No caso dessa atividade, é interessante que os comandos sejam introduzidos aos poucos. Se uma música cita cachorro, sofá e sala de estar, o professor pode, antes de tocar a música pela primeira vez, pedir para as crianças pularem quando ouvirem a palavra cachorro. Depois, antes de tocar a música pela segunda vez, ele pode avisar que agora a brincadeira ficará mais agitada; além de pular ao ouvir cachorro, os alunos terão que sentar-se ao ouvir a palavra sofá. Por fim, para a terceira vez, ele pode pedir para os alunos repetirem os dois comandos anteriores e, ao ouvirem sala de estar, eles devem levantar os braços.
  •  Meninos x meninas – nessa abordagem, a turma é separada em dois grupos: meninos e meninas. Também é possível fazer dois grupos mistos. Cada grupo é responsável por cantar uma estrofe ou trecho da música. O objetivo é determinar qual grupo canta mais alto e mais afinado.
  • Figuras – o professor precisa providenciar figuras que representem palavras citadas na música em número igual ao número de alunos na sala antes de aplicar atividade. Cada aluno recebe uma figura. Ao ouvir a palavra representada pela sua figura, o aluno precisa erguer a figura ao alto. Os alunos também podem estar agachados e, ao ouvir a palavra chave, eles se levantam e, logo em seguida, se agacham. Pode-se repetir a atividade várias vezes, dando aos alunos diferentes figuras. Caso a turma seja grande, mias de um aluno pode ficar com a mesma figura. É interessante que as
    Figuras - opção para turma com sete alunos
    figuras repetidas sejam palavras no plural. Por exemplo, se a música cita jardim, abelhas, árvores, folhas, flores, cozinha e bolo, numa turma de sete alunos, cada um receberia uma figura. Para as palavras no plural, como folhas, a figura teria mais de uma folha. No caso de uma turma de nove alunos, o professor pode preparar dois flashcards a mais, com para as imagens representando a abelha e a flor, mas nesse caso, apenas uma abelha e uma flor em cada flashcard. Um ponto a ser observado é o tipo de figura que será utilizado. No caso de crianças, é mais adequado usar
    Repetir as figuras para palavras no plural é uma opção para turmas maiores.
    imagens do tipo Clip Art ou desenho linear, como nas imagens a direita e esquerda desse texto; as fotos devem ficar para as aulas com adolescentes e adultos. Uma variação para essa atividade para turmas que estejam com o conteúdo adiantado é sortear as palavras entre os alunos e pedir para eles mesmos desenharem a figura que utilizarão. O professor também pode dar as figuras prontas para as crianças pintarem, mas é bom lembrar que atividades de colorir têm como objetivo desenvolver a coordenação motora e esse não é um enfoque das aulas de inglês, principalmente se a escola for de idiomas.
     
  • Toque as figuras – o professor pode, antes da aula, colar flashcards com figuras representando o vocabulário citado na música nas paredes da sala. Durante a música, as crianças devem tocar a figura toda vez que ouvirem a palavra-chave. Caso a escola não permita colar nada na parede, basta colocar as figuras no chão. 
          Enfim, essas são apenas algumas sugestões. Além de tudo que já foi citado, é importante que o professor leia a letra da música antes de tocá-la e peça para as crianças repetirem, para que elas aprendam a pronúncia e associem a escrita ao som.
Você tem alguma outra sugestão para se abordar músicas didáticas com crianças? Compartilhe conosco nos comentários.



Luciana Estarepravo da Silva

Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Por que escrever?



“Qualquer texto literário de valor transpira uma atitude rebelde, insubmissa, provocadora e inconformista”.
Mario Vargas Llosa

A partir da citação de Mario Vargas Llosa é possível tecer uma profunda reflexão quanto ao ato de escrever.
Escrever, segundo ele, é um ato de rebeldia. Rebelde é aquele que se levanta contra algo ou alguém, é aquele que não se deixa dominar.
Ora, escrever é não deixar seus próprios pensamentos, sua própria opinião, se calar frente à sociedade. Escrever é tornar públicas aquelas ideias que você tem, não porque você é criativo, mas porque há algo ao seu redor que lhe incomoda.
Escrever também é um ato de insubmissão porque quem escreve é corajoso o suficiente para não absorver totalmente os discursos que o cercam.
Em nosso discurso, seja ele concretizado por textos orais ou escritos, ficam claros traços de outros discursos. Isso é inevitável, afinal, já dizia Lavoisier “Na natureza, nada se cria, nada se perde; tudo se transforma”. Dessa forma, aproveitamos os discursos de outrem ou porque concordamos ou discordamos deles ou ainda porque queremos acrescentar pontos antes não explorados.
No entanto, essa força que motiva alguém a concordar, discordar ou acrescentar algo às ideias de outrem é o que faz da escrita insubmissa: quem escreve não precisa se sujeitar ao discurso do outro tal qual como ele é.
A escrita é provocadora porque ela tem o poder de provocar muitas reações nos que têm contato com ela.
Hoje, com a facilidade de tornar a própria opinião pública por meio dos recursos tecnológicos disponíveis, é comum ver pessoas apoiando ou não essa ou aquela ideia, escrevendo sua opinião em um local onde pessoas que fazem parte de seus círculos possam conhecê-la. As pessoas se sentem provocadas pelo que leem a comentar sobre o assunto e a escrita, por sua vez, é atraente e motiva as pessoas a lhe usarem, como diria a personagem Coronel Jesuíno, em Gabriela, vivida por José Wilker, ator recém-falecido.
Por fim, a escrita é inconformista, pois sua subsistência num universo onde, retornando ao pensamento de Lavoisier, tudo já existe, apenas se transforma, prova que, pela sua própria natureza, a escrita é incompleta; ela está continua e eternamente em processo de construção. De tudo que já foi escrito na história da humanidade, nada foi dito de todas as formas possíveis.
Com base nessas características da escrita, dadas por Mario Varjas Llosa, percebe-se que a escrita é uma ótima ferramenta para que o indivíduo organize suas ideias. A fala oral se diferencia da fala escrita principalmente pela velocidade da comunicação. Num texto oral, dificilmente um indivíduo poderá retirar aquilo que disse, ao passo que na escrita, isso é perfeitamente possível. Assim, a escrita dá ao individuo mais chances de organizar seu pensamento antes de o fazer conhecido por outras pessoas.
Para concluir, já que a escrita é cíclica e, como todo ciclo, não tem fim, voltamos à citação de Llosa, porque por ser bem elaborada, a escrita é rebelde, insubmissa, provocadora e inconformista.

Luciana Estarepravo da Silva
Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em Letras (Português/Inglês)