Quem é professor de
inglês, ou de qualquer outro idioma, em escolas que adotam materiais didáticos
prontos já deve ter presenciado essa cena. Eis que entra na sala dos
professores o pobre coitado do professor das crianças - aquele mártir para quem
os professores dos níveis avançados, ou mesmo dos níveis básicos, mas para
adultos e adolescentes, sempre olham cheios de compaixão – e diz “Hoje eu tenho
que dar aquela musiquinha chata do livro”.
Bem, se eu estiver
nessa sala, vou ficar quietinha, mas, sem dúvida, vou pensar “É a música que é
chata ou é você que não sabe como trabalhar com ela?”.
Você pode dar uma
Ferrari para alguém, mas se essa pessoa não tiver habilitação, o carro não
servirá para nada; você pode dar um computador equipado com ótima memória,
programas úteis para vários fins e conexão à internet, mas se essa pessoa não
souber usar um computador (estou escrevendo esse texto em 2014 e, sim, ainda há
pessoas que não sabem usar um computador), de nada ele lhe servirá.
O mesmo acontece com
materiais didáticos. Você pode dar o melhor material disponível no mercado na
mão do incompetente; ele não vai saber usá-lo.
É obvio que eu
compreendo que nem todas as músicas que acompanham o material didático
destinado às crianças são adequadas à realidade da turma. Há muitas diferenças
culturais e mesmo cognitivas entre as pessoas em geral, não somente entre as
crianças, e principalmente no Brasil, um país com proporções continentais.
Todavia, considerando
que os matérias didáticos são desenvolvidos por pessoas, em geral, muito mais
esclarecidas academicamente do que o professor que vai utilizá-lo e também
considerando que a equipe do editorial é multidisciplinar, não seria
ingenuidade afirmar que a música foi desenvolvida na melhor das intenções e
quem não está entendo o objetivo da atividade é o professor. Quanto às
diferenças culturais e cognitivas, estamos falando de um contexto escolar,
certo? Bem, então o sujeito está lá para minimizar essas diferenças.
Sendo assim, aqui vão
algumas dicas para os professores que querem aperfeiçoar o uso dessas músicas.
Primeiramente, é
crucial entender a razão pela qual a música foi inclusa naquela lição, naquela
parte da sequência didática e com aquele vocabulário.
Essa informação pode
ser obtida de várias formas. Alguns materiais didáticos trazem informações
acerca da visão de língua e ensino dos desenvolvedores do material na
introdução do livro do professor. Espera-se que o professor leia a introdução
do livro assim que o recebe, contudo, isso nem sempre acontece. Não deixe para
entender o objetivo do curso que você vai ministrar ao final do período, quando
já tiver abordado o material por completo. Reserve um tempinho para ler a
introdução antes de preparar a primeira aula.
No caso de franquias
de métodos famosos, é possível que a questão do uso das músicas seja abordada
no treinamento. Mesmo assim, é bom o professor analisar as músicas por conta
própria, afinal, nem sempre os treinamentos abordam essa questão a fundo.
O próprio professor
pode entender o que se espera da música se observar o livro como um todo
atentamente.
Se a música está no
início da lição, é possível que ela seja uma introdução ao tópico a ser abordado.
Se ela está no final
da lição, é possível que ela seja uma forma real de utilizar o conteúdo
abordado ao longo daquela unidade, ou mesmo uma forma de celebrar o término der
um período de estudos com as crianças, como se fosse um prêmio para elas.
Essas possibilidades
se referem a músicas que apresentam vocabulário relacionado à lição. Quando
isso não acontece, a história é outra.
Muitos professores
podem achar o conteúdo da música totalmente desconexo da lição e também podem julgar
o ritmo como lento e desestimulante. O que eles não sabem é que aquela música
pode ser folclórica, o que seria uma tentativa dos desenvolvedores do material
didático de apresentar um pouco da cultura dos povos falantes da língua alvo do
curso.
Há também aquelas
músicas que abordam parte do vocabulário da lição em curso e também já começam
a introduzir o vocabulário da próxima lição. Essas músicas são uma ótima
oportunidade para pré-ensinar o vocabulário ou mesmo as estruturas que serão
abordadas mais profundamente adiante.
Compreendidas as
razões para a disposição da música, é chegada a hora de encontrar uma forma de
aplicar a atividade de forma didática. É aí que o bicho pega!
A prática mais comum
é ver os professores dizendo para as crianças “Agora nós vamos aprender uma
música”. Logo, o professor coloca o CD, deixa a música tocar e fica olhando
para a cara das crianças, as quais, por sua vez, ficam olhando para a cara do
professor. Ao final desse suplício, é claro que as crianças detestaram a música
e o professor, mais uma vez, reforçou a ideia do início desse texto:
“musiquinha chata”.
Oras, é preciso fazer
algo com essa música, afinal, ela está inclusa numa sequência didática, ou
seja, ela é uma atividade. A própria palavra atividade já denota movimento, assim, não se trata simplesmente de
tocar a música e esperar que as crianças comecem a pular, balançar os braços e
cantar como um fã no show de sua banda favorita, é preciso criar esse
movimento.
Vamos então às
sugestões de abordagem de músicas.
- Coreografia – para um professor sem muita criatividade para abordar músicas, a coreografia é a abordagem mais simples, embora o nome lembre movimentos elaborados e sincronizados. Fazer uma coreografia não se trata de elaborar uma sequencia de movimentos digna de apresentação num programa televisivo de competições artísticas. Basta que o professor sistematize movimentos que representem o vocabulário ou atos da fala contidos na letra da música. Para tal, o professor apenas precisam se questionar “Como eu ensinaria essa palavra ou essa função linguística se eu apenas pudesse fazer gestos?”. Por exemplo, se a letra da música cita as palavras “avião”, “casa” e “o que é isto?”, pense como diria isso utilizando mímica.
- Comandos – as crianças gostam muito de brincar de comandos, como sente-se, levante-se, pule, agache-se, levante os braços etc. O professor pode determinar que a cada vez que os alunos ouvirem determinada palavra, eles deverão fazer determinada coisa. Por exemplo, ao ouvir na música a palavra cachorro, eles terão que se abaixar. O comando não precisa ter relação com a palavra em questão. O objetivo é simplesmente desenvolver uma atividade com a música. No caso dessa atividade, é interessante que os comandos sejam introduzidos aos poucos. Se uma música cita cachorro, sofá e sala de estar, o professor pode, antes de tocar a música pela primeira vez, pedir para as crianças pularem quando ouvirem a palavra cachorro. Depois, antes de tocar a música pela segunda vez, ele pode avisar que agora a brincadeira ficará mais agitada; além de pular ao ouvir cachorro, os alunos terão que sentar-se ao ouvir a palavra sofá. Por fim, para a terceira vez, ele pode pedir para os alunos repetirem os dois comandos anteriores e, ao ouvirem sala de estar, eles devem levantar os braços.
- Meninos x meninas – nessa abordagem, a turma é separada em dois grupos: meninos e meninas. Também é possível fazer dois grupos mistos. Cada grupo é responsável por cantar uma estrofe ou trecho da música. O objetivo é determinar qual grupo canta mais alto e mais afinado.
- Figuras – o
professor precisa providenciar figuras que representem palavras citadas na
música em número igual ao número de alunos na sala antes de aplicar atividade.
Cada aluno recebe uma figura. Ao ouvir a palavra representada pela sua figura,
o aluno precisa erguer a figura ao alto. Os alunos também podem estar agachados
e, ao ouvir a palavra chave, eles se levantam e, logo em seguida, se agacham. Pode-se
repetir a atividade várias vezes, dando aos alunos diferentes figuras. Caso a
turma seja grande, mias de um aluno pode ficar com a mesma figura. É
interessante que as
Figuras - opção para turma com sete alunos Repetir as figuras para palavras no plural é uma opção para turmas maiores. - Toque as figuras – o professor pode, antes da aula, colar flashcards com figuras representando o vocabulário citado na música nas paredes da sala. Durante a música, as crianças devem tocar a figura toda vez que ouvirem a palavra-chave. Caso a escola não permita colar nada na parede, basta colocar as figuras no chão.
Você tem alguma outra sugestão para se abordar músicas
didáticas com crianças? Compartilhe conosco nos comentários.
Luciana Estarepravo da Silva
Especialista em Docência da Língua Inglesa e formada em
Letras (Português/Inglês)
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